Universidade do Sul de Santa Catarina
Palhoça
UnisulVirtual
2007
Sociologia da Educação
Disciplina na modalidade a distância
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Tecnologia
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Marcelo Neri da Silva
Pascoal Pinto Vernieri
Ricardo Alexandre Bianchini
Apresentação
Este livro didático corresponde à disciplina Sociologia da
Educação.
O material foi elaborado, visando a uma aprendizagem
autônoma. Com este objetivo, aborda conteúdos especialmente
selecionados e adota uma linguagem que facilite seu estudo a
distância.
Por falar em distância, isso não signifi ca que você estará
sozinho(a). Não se esqueça de que sua caminhada nesta disciplina
também será acompanhada constantemente pelo Sistema
Tutorial da UnisulVirtual. Entre em contato sempre que sentir
necessidade. Nossa equipe terá o maior prazer em atendê-lo(a),
pois sua aprendizagem é nosso principal objetivo.
Bom estudo e sucesso!
Equipe UnisulVirtual.
Viviani Poyer
Palhoça
UnisulVirtual
2007
Design instrucional
Viviani Poyer
Sociologia da Educação
Livro didático
Copyright © UnisulVirtual 2007
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.
Edição -- Livro Didático
Professora Conteudista
Viviani Poyer
Design Instrucional
Viviani Poyer
ISBN 978-85-7817-053-0
Projeto Gráfico e Capa
Equipe UnisulVirtual
Diagramação
Evandro Guedes Machado
Revisão Ortográfica
Amaline Boulus Issa Mussi
306.43
R24 Poyer, Viviani
Sociologia da educação : livro didático / Viviani Poyer ; design
instrucional Viviani Poyer. – Palhoça : UnisulVirtual, 2007.
154 p. : il. ; 28 cm.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7817-053-0
1. Sociologia educacional. I. Título.
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 03
Palavras da professora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09
Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
UNIDADE 1 – O pensamento sociológico: conceitos
e processo histórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
UNIDADE 2 – Produção social, ideologia e sujeitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
UNIDADE 3 – Brasil: as múltiplas facetas da sociedade moderna . . . . . . 81
UNIDADE 4 – A educação no século XX rumo ao XXI:
novos caminhos? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
Para concluir o estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
Sobre a professora conteudista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
Comentários e respostas das atividades de auto-avaliação . . . . . . . . . . . . 151
Sumário
Palavras da Professora
Caro(a) aluno(a),
Convido você a iniciar os estudos de mais esta disciplina
que compõe a grade curricular do seu curso. Uma
disciplina de tanta importância quanto todas estudadas
até aqui ou as próximas que virão para a sua sólida
formação enquanto profi ssional da educação e enquanto
cidadão. Parto do pressuposto que todo cidadão é,
de certa forma, um educador, por isso o estudo de
disciplinas como Psicologia, Antropologia, História da
Educação, Sociologia da Educação e tantas outras podem
e devem nos ajudar num sentido muito mais amplo do
que o de simplesmente formar profi ssionalmente.
Acredito, como educadora e cidadã, pela própria
experiência que tive, que tais disciplinas nos ajudam
na transformação pessoal e social. Ou, como diria uma
aluna do curso de Pedagogia de uma dada universidade,
quando da oportunidade de realizar um sonho quase
“impossível” oportunizado a partir da modalidade de
educação a distância:
Prof. nos fi ns de semana quando me reúno com
meus familiares, percebo que já não sou mais a
mesma. Agora que estou fazendo um curso superior,
tenho coragem de expor minhas idéias, de me
posicionar diante dos outros e de pensar diferente...
Espero que esta disciplina possa modifi car a sua
maneira de ver as coisas mais simples, mais naturais,
mais inexpressivas como resultado das ações dos
homens e mulheres que todos somos e enquanto sujeitos
históricos e sociais. Que ela lhe possibilite brotar ares
de desconfi ança e que o(a) encoraje a ir em busca de
respostas, não prontas e acabadas, verdadeiras ou falsas,
mas construídas e interpretadas à luz do conhecimento
e da pesquisa, de acordo com o contexto social e cultural em que
estejam inseridas.
Que os temas aqui brevemente introduzidos tragam caminhos
possíveis de serem trilhados em busca de uma sociedade mais
justa e de uma educação transformadora da realidade atual.
Sucesso e bons estudos!
Viviani Poyer
Plano de estudo
O plano de estudos visa a orientá-lo(a) no
desenvolvimento da disciplina Sociologia da Educação.
Nele, você encontrará elementos que o(a) ajudarão a
ter uma visão geral da disciplina e a organizar os seus
estudos.
O processo de ensino e aprendizagem na UnisulVirtual
leva em conta instrumentos que se articulam e se
complementam. Assim, a construção de competências
se dá sobre a articulação de metodologias e por meio das
diversas formas de ação/mediação.
São elementos desse processo:
! o livro didático;
! o Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem
– EVA;
! as atividades de avaliação (complementares, a
distância e presenciais).
Ementa
O pensamento social contemporâneo e seus conceitos
analíticos sobre o processo educacional na sociedade
moderna; produção e reprodução social, ideologia,
sujeitos, neoliberalismo, poder e dominação, inclusão e
exclusão, educação escolar, familiar, gênero.
Carga horária
60 horas-aula -- 04 créditos
12
Objetivos da disciplina
Objetivo Geral
Instrumentalizar o acadêmico no desenvolvimento de
uma refl exão crítica sobre as mais diversas relações sociais,
educacionais e políticas da sociedade contemporânea para além
do âmbito formal da escola, capacitando o discente de pedagogia
a relacionar sua experiência como educador escolar com as
transformações sociais que ocorrem a sua volta.
Objetivos Específi cos
Conhecer a constituição ! do pensamento sociológico
brasileiro.
! Compreender as transformações sociais da sociedade
moderna com base nas abordagens sociológicas
estudadas.
! Compreender o papel da educação escolarizada nos
diferentes momentos históricos enquanto transformadora
das relações sociais e como instrumento ideológico na
efetivação de políticas públicas.
Conteúdo programático
Veja, a seguir, as unidades que compõem o Livro Didático desta
disciplina e os seus respectivos objetivos. Estes se referem aos
resultados que você deverá alcançar ao fi nal de uma etapa de
estudo. Os objetivos de cada unidade defi nem o conjunto de
conhecimentos que você deverá possuir para o desenvolvimento
de habilidades e competências necessárias à sua formação.
Unidades de estudo: 4
Unidade 1 - O pensamento sociológico: conceitos e processo
histórico
Nesta unidade, você irá relembrar alguns aspectos importantes
do contexto de surgimento do pensamento social no mundo
e no Brasil. E perceber como esta disciplina se estabeleceu
enquanto ciência no Brasil. Conhecerá os diversos movimentos
13
educacionais ocorridos no Brasil nos anos 50 e 60, bem como as
formas de abordagem das diferentes correntes sociológicas acerca
da educação.
Unidade 2 - Produção social, ideologia e sujeitos
Aqui, você conhecerá as relações determinantes na produção
e reprodução da sociedade, do sujeito e o papel que a escola
desempenhou e desempenha nessas relações. Estudará o conceito
de ideologia, sua complexa defi nição e sua aplicabilidade nas mais
diversas relações sociais.
Unidade 3 - Brasil: as múltiplas facetas da sociedade moderna
A terceira unidade traz algumas noções de como a escola se
tornou, ao longo do processo histórico, um instrumento de
aplicabilidade das políticas governamentais, políticas muitas
vezes carregadas de teor preconceituoso e discriminatório. E
conhecerá também como atualmente a questão do gênero pode
ser abordada na educação escolarizada, o que lhe possibilitará um
outro olhar sobre a construção dos sujeitos.
Unidade 4 - A educação no século XX rumo ao XXI: novos
caminhos?
Por fi m, nesta última unidade, você poderá estudar os principais
elementos que caracterizam o discurso e a política neoliberal
e o papel desempenhado pelas diversas agências fi nanceiras
internacionais na delimitação de políticas educacionais para a
América Latina. Conhecerá alguns aspectos sobre a defi nição
do conceito de globalização e o surgimento dos meios de
comunicação de massa e sua relação com a educação.
14
Agenda de atividades / Cronograma
Verifi que com atenção o E ! VA, organize-se para acessar
periodicamente a sala da disciplina. O sucesso nos
seus estudos depende da priorização do tempo para a
leitura, da realização de análises e sínteses do conteúdo
e da interação com os seus colegas e tutor.
! Não perca os prazos das atividades. Registre no espaço
a seguir as datas com base no cronograma da disciplina
disponibilizado no EVA.
! Use o quadro para agendar e programar as atividades
relativas ao desenvolvimento da disciplina.
15
Atividades
Demais atividades (registro pessoal)
UNIDADE 1
O pensamento sociológico:
conceitos e processo histórico
Objetivos de aprendizagem
! Relembrar aspectos importantes do contexto em que
surgiu o pensamento social no mundo e no Brasil.
! Compreender como a Sociologia se estabeleceu
enquanto ciência no começo do Século XX, no Brasil.
! Entender o caráter social dos diversos movimentos
educacionais ocorridos no Brasil, nos anos 50 e 60.
! Conhecer as formas de abordagem da educação
empreendidas por diferentes correntes sociológicas.
Seções de estudo
Seção 1 Raízes do pensamento social
Seção 2 Brasil: Sociologia à moda européia?
Seção 3 A Sociologia na escola: novos expoentes
Seção 4 Movimentos de educação popular
Seção 5 Educação enquanto análise sociológica
1
18
Universidade do Sul de Santa Catarina
Para início de estudo
Convido você a iniciar, a partir de agora, os estudos em torno da
disciplina Sociologia da Educação.
Nesta primeira unidade, de caráter mais introdutório, você terá
contextualizado o momento histórico em que a Sociologia surgiu
como ciência no mundo e no Brasil. Também verá enumerados
os seus principais pensadores e detalhadas as correntes teóricas de
que são titulares.
Verá como ocorreram os primeiros estudos de caráter social no
Brasil, antes mesmo de se falar em Sociologia; e, também, quem
foram os primeiros sociólogos brasileiros envolvidos diretamente
com as questões educacionais.
Relacionará a inserção desta disciplina nos currículos escolares
e os movimentos populares que marcaram todo um período, os
quais tiveram como principal característica viver intensamente
a democracia que se instalara no país. Sobretudo, conhecerá,
em alguns aspectos, a vida de um dos grandes expoentes da
educação popular brasileira, Paulo Freire, o qual se tornou um
nome reconhecido e respeitado em praticamente todos os países
de língua portuguesa, pelo caráter inovador e social de seu
pensamento.
Por último, conhecerá diferentes correntes teóricas da Sociologia
que infl uenciaram o pensamento sociológico brasileiro e o modo
de pensar a educação no Brasil.
Estes estudos poderão levá-lo(a) a perceber e entender, de uma
nova forma, a educação atual. Vamos lá?
SEÇÃO 1 – Raízes do pensamento social
Ao iniciarmos a discussão em torno do pensamento sociológico
no Brasil, faz-se necessário trazer à luz alguns aspectos já vistos
por você na disciplina Sociologia. É que, a partir deles, se
confi gurará, com bastante clareza, o contexto de surgimento
desta ciência no mundo e, muito especialmente, no Brasil.
19
Sociologia da Educação
Você lembra como e quando surgiu a Sociologia
enquanto ciência?
Bem, a Sociologia enquanto ciência surgiu e se desenvolveu
com o advento da modernidade, mas, principalmente, a partir
do fortalecimento do capitalismo. Dois grandes fatos políticos e
sociais marcaram signifi cativamente um processo que já vinha
delineando-se desde o Renascimento comercial e urbano na
Europa e foram decisivos para iniciar o que se convencionou
chamar de mundo contemporâneo: a Revolução Industrial e a
Revolução Francesa.
Em 1750, temos o surgimento da máquina a vapor nas fábricas
da Europa, o que marcou o início da Revolução Industrial e
alterou defi nitivamente o cenário socioeconômico da época. Para
uma burguesia cada vez mais forte economicamente, alcançar
o poder político era apenas uma questão de tempo. O advento
das máquinas trouxe mudanças nunca antes vistas nas relações
de produção, principalmente em função do estabelecimento do
sistema fabril em larga escala e a decorrente divisão do trabalho.
A agricultura tinha aumentada a produtividade com a aplicação
de novas técnicas. E a revolução nos transportes contribuiria,
igualmente, para o deslocamento em massa da população rural
em direção às cidades.
No século XVII e XVIII, diversas revoluções ocorreram
na Europa: as chamadas revoluções burguesas, entre elas a
Revolução Gloriosa, na Inglaterra, e a Revolução Francesa.
Ambas, de forma geral, propunham o fi m dos privilégios
herdados pela nobreza e a igualdade
de direitos e oportunidades. A
Revolução Francesa tem como
marco inicial a Queda da Bastilha
em 1789e foi fundamental para
o estabelecimento da burguesia no
poder político.
Pode-se dizer, portanto, que a
Revolução Industrial desencadeou
efetiva revolução no sistema
econômico da época; e, assim, a
Por volta do século XI,
o comércio ressurge na
Europa, e as moedas
começam a circular
novamente. Em função
do “renascimento”
comercial, as cidades
também crescem, feiras
são realizadas em diversas
regiões da Europa e lutas
contra o poder do senhor
feudal vão delineando o
surgimento de um novo
grupo social e econômico
– a burguesia.
Figura: A Liberdade guiando o povo. Delacroix,
1830.
Fonte:
20
Universidade do Sul de Santa Catarina
Revolução Francesa, no sistema político. Ambas provocaram
profundas transformações sociais e podem ser consideradas, como
já afi rmado anteriormente, marcos de transição para a chamada
“Era Moderna”.
Em síntese: a partir de ambas as revoluções,
Industrial e Francesa, dá-se a ascensão de um novo
grupo/classe, a burguesia; também, o aumento
da capacidade de produção humana determinará
profundas mudanças no setor econômico.
Além do episódio que começou a mudar a cara da Europa
politicamente, não se pode esquecer que o século XVIII foi
marcado pelas Idéias Iluministas -- por isso fi cou conhecido
como o “Século das Luzes”. O poder da razão deveria
predominar e constituir o guia para a interpretação de episódios
humanos, com vistas à reorganização do mundo. Num processo
que já vinha acontecendo desde o Renascimento Artístico e
Cultural, a razão deveria predominar sobre qualquer explicação
religiosa. O antropocentrismo, num primeiro momento,
presumidamente, já superava o teocentrismo, e, com o passar
do tempo, o racionalismo e a revolução científi ca foram
acentuando tal tendência. No século XVIII, o homem era
dotado de tamanha confi ança, que deixa de sacralizar a natureza,
tornando-a objeto de pesquisa no âmbito do conhecimento
científi co. Pode-se dizer que, então, a natureza passava ao
domínio do homem.
Este pensamento se acentuou ainda mais, como
num processo sem volta, a partir do século XIX,
com o advento do Positivismo. Desenvolvido a
partir das idéias de Augusto Comte, tinha como
principal pressuposto abandonar qualquer vestígio
de religiosidade e emoção no âmbito do método
científi co.
Segundo Meksenas (2002), para Comte o
conhecimento era positivo quando fundado na
observação, porém em observação orientada por
um método. Para isso, ele defi nia dois tipos de
observação: a empírica e a positiva. A primeira –
Figura: Augusto Comte
Fonte:
21
Sociologia da Educação
Unidade 1
empírica – era vista por ele como uma espécie de observação
vulgar, em que simplesmente se observavam os fatos em si,
sem se estabelecer relação entre os demais fatos observados. A
segunda – positiva – precisava seguir algumas regras, entre elas:
selecionar, desmembrar, relacionar, comparar, medir e estabelecer
similaridades, estudar o todo, perceber as repetições e, por fi m,
“estabelecer leis que possibilitem a previsão de movimentos,
regularidade e comportamentos futuros do fato estudado.”
(MEKSENAS, 2002, p.78).
Consoante essas idéias, temos o que se pode chamar de
cientifi cismo, uma visão bastante reducionista, segundo a qual
a ciência e suas leis constituiriam o único conhecimento válido,
referido na observação, experimentação e matematização de seu
objeto, e aplicável não só às ciências naturais, mas a diferentes
áreas, entre elas as ciências humanas. Além do reducionismo
científi co a que conduzia esse método, temos também o que
se chamou de determinismo, seja ele biológico, geográfi co ou
histórico, em que se atribuía “[...]ao comportamento humano as
mesmas relações invariáveis de causa e efeito que presidem as leis
da natureza.” (ARANHA, 2001, p.139).
Comte foi um dos precursores da Sociologia e é
considerado, também, o fundador desta ciência, a
qual acabou defi nindo como “física social”. Suas idéias
foram posteriormente desenvolvidas e aprimoradas
por Émile Durkheim, que trouxe para o campo das
Ciências Sociais, o método e a objetividade do
positivismo na análise dos problemas sociais.
Durkheim tinha como objetivo principal descobrir as leis de
funcionamento da sociedade. Por esse motivo é considerado
um dos sistematizadores da corrente funcionalista. Sua obra
“Educação e Sociologia” é um marco inovador para aquela
época. Enfatiza a origem social da educação com a fi nalidade de
superar sua caracterização predominantemente intelectualista
e individualista. Para Durkheim, “a educação satisfaz, antes de
tudo, as necessidades sociais” e “toda educação consiste num
esforço contínuo para impor à criança maneiras de ver, de sentir
e de agir às quais a criança não teria espontaneamente chegado.”
(PEREIRA, 1995, p.42 apud ARANHA, 2001, p. 167). A
Para Comte, o ato
humano não é livre, já
que é determinado por
causas das quais não se
pode escapar, como raça
(determinismo biológico),
o meio (determinismo
geográfi co) e o momento
(determinismo histórico).
22
Universidade do Sul de Santa Catarina
partir de uma educação imposta de acordo com os padrões
sociais, é possível criar o ser social, e, nesse processo, os pais e
professores são apenas intermediários.
Durkheim instituiu a pedagogia como disciplina
autônoma, sem dependência obrigatória de
outras áreas do conhecimento como, até então,
da fi losofi a, da moral e da teologia. No campo
educacional, ressalva as críticas ao método
positivista, foi o primeiro sociólogo a colocar
a escola como instituição de fundamental
importância na formação do indivíduo.
Porém é fundamental termos presente que, para
Durkheim, Pedagogia e educação eram duas coisas
diferentes:
A educação é a ação exercida, junto às crianças, pelos
pais e mestres. É permanente, de todos os instantes,
geral. Não há período na vida social, não há mesmo, por
assim dizer, momento no dia em que as novas gerações
não estejam em contato com seus maiores e, em que, por
conseguinte, não recebam deles infl uência educativa.
(DURKHEIM, 1978, p.57).
Procurando interpretar as suas idéias, é possível perceber
que, para ele, educação se dava por meio de ações exercidas
cotidianamente, tanto de maneira formal, por mestres e nas
escolas, como de maneira informal, pela família; já, a Pedagogia
era uma área de conhecimento teórico, como você pode ver a
seguir:
As teorias chamadas pedagógicas são especulações de
gênero muito diverso. Seu objetivo não é o de descrever
ou explicar o que é ou o que tem sido, mas, de determinar
o que deve ser. Não estão orientadas nem para o presente
nem para o passado, mas para o futuro. Não se propõem
a exprimir fi elmente certas realidades, mas a expor
preceitos de condutas. Elas não nos dizem: ‘eis o que
existe e por que existe’. Mas, sim: ‘eis o que será preciso
fazer’. (DURKHEIM, 1978, p. 64).
Figura: Emile Durkheim
fonte:
23
Sociologia da Educação
Unidade 1
Apesar de diferenciar Pedagogia e educação, podemos perceber
que Durkheim aponta, de certa forma, a existência de uma
relação e dependência entre ambas.
Indo além, no que diz respeito a seu entendimento sobre a função
da educação e da escola, podemos perceber, sobretudo, que
Durkheim atrela a educação às necessidades sociais. Sendo o fi m
último da educação socializar e renovar as condições da existência
social, vê a escola e a sociedade como duas “instituições” que se
completam e interagem.Desta forma, a escola torna-se uma
instituição fundamental para a formação moral do indivíduo
e tem a função de adaptá-lo às regras sociais por meio da
reprodução de hábitos e valores transmitidos pelos adultos às
crianças.
É importante lembrar que, além de Comte e Durkhein,
houve outros dois grandes pensadores envolvidos com estudos
sociológicos e que tiveram grande infl uência para a educação
daquele momento: Max Weber e Karl Marx.
Para ampliar seus conhecimentos sobre a concepção
de educação e sociedade desenvolvida por Marx, leia
o texto complementar que se encontra no Saiba Mais,
no fi nal desta unidade.
De um ponto de vista crítico, podemos apontar, ainda, ao
encerrar esta seção, a grande contribuição das idéias positivistas
para a educação, a saber, a sua atuação no “ideário de escolas
estatais”, quando defendia um ensino leigo contra a tradicional
educação humanista e religiosa de fi ns do século XIX e início do
século XX. Pode-se dizer, então, sobre o Positivismo, que foi um
movimento de caráter inovador, o qual “[...] impregnou todo o
ambiente cultural do século XIX, universalizando a experiência e
resolvendo nela toda a realidade.” (RIBEIRO, 2001, p.55).
Já, olhado por outro ângulo, não de forma tão favorável assim,
é necessário lembrar que o Positivismo está diretamente
relacionado ao mito do progresso, interessante, talvez, para
a implantação de muitas políticas de Estado naquele período,
principalmente nas Américas; todavia, por outro lado, uma séria
e perigosa concepção acerca das transformações da sociedade.
Por questões didáticas,
achei melhor não abordar
estes autores aqui, pois
você já acompanhou
uma discussão a respeito
deles, bastante ampla
e esclarecedora, na
disciplina Sociologia.
24
Universidade do Sul de Santa Catarina
Vamos ver, a seguir, como essas idéias adentraram o continente
americano e os primeiros passos do pensamento sociológico em
terras tropicais. Acompanhe a seção 2.
SEÇÃO 2 – Brasil: Sociologia à moda européia?
Inicio esta seção com alguns questionamentos:
Como foram recebidas pelos brasileiros as idéias
positivistas?
E como se confi gurou aqui este processo que já vinha
ocorrendo na Europa?
Será que idéias oriundas de um continente tão
distante tiveram infl uência na política e na sociedade
brasileira?
Enquanto, na Europa, o Positivismo justifi cava as atitudes
da burguesia, referido na idéia do progresso retilíneo da
humanidade, no continente americano essas idéias traziam no
bojo discussões de forte caráter político. No Brasil, as idéias
de cunho positivista, liberal e evolucionista se fortaleceram
nas cidades, devido principalmente à “identifi cação” que as
camadas letradas tinham com essas correntes políticas, sociais
e fi losófi cas. Cabe lembrar que elas se difundiram, aqui, de
maneira um tanto distinta do modelo europeu.
Segundo Ribeiro,
O evolucionismo social
ou darwinismo social,
de maneira geral,
contém-se na crença
de que as sociedades
mudariam e evoluiriam
em um mesmo sentido e
que tais transformações
representariam a
transposição de um nível
menos elevado para
um estágio superior.
De maneira análoga ao
desenvolvimento do
homem, também as
sociedades estariam
sujeitas à lei da seleção
natural. Dentro de um
determinado contexto,
prevaleceriam as
sociedades mais aptas
e capazes, sendo as
outras extintas, quer
pela luta com as mais
“desenvolvidas”, quer pela
difi culdade de superar
obstáculos naturais.
25
Sociologia da Educação
Unidade 1
A princípio, o positivismo resultou em uma mentalidade
científi ca generalizadora, alheia às particularidades sulamericanas.
Porém, a pouco e pouco, aproveitado como
método de trabalho, juntamente com o evolucionismo
de Spencer e as idéias democrático-liberais do
constitucionalismo norte-americano, servirá de esteio aos
que advogam uma república democrática, frutifi candose,
assim, em um instrumento teórico a ser utilizado na
transformação da realidade concreta. (RIBEIRO, 2001,
p.65).
No Brasil, tais doutrinas tiveram aceitação entre os políticos
republicanos. Entre os nomes de reconhecimento nacional e que
eram adeptos dessas idéias, destacamos Benjamin Constant,
fundador da Escola Normal do Rio de Janeiro e professor da
Escola Militar, o qual ensinou as bases do positivismo a jovens
ofi ciais. Estes, posteriormente, iriam lutar pela instituição da
República Brasileira.
Você se lembra do que está escrito no centro da
bandeira brasileira?
Caso tenha respondido Ordem e Progresso, acertou!
E sabe qual a relação deste lema com o que estamos
discutindo aqui?
Talvez você já esteja imaginando, não é?
Pois bem, a célebre frase que se encontra no centro de nossa
bandeira nacional é um lema inspirado nas idéias positivistas,
relacionadas ao mito do progresso. E você sabe por que, no fi nal
da seção 1, afi rmei que “o mito do progresso” era uma idéia
“perigosa”? Porque, a partir desta concepção, se estabelece a
idéia de evolução contínua da sociedade e da humanidade, e
nós sabemos que a realidade não é bem assim. Afi nal, em prol
deste suposto progresso e / ou evolução, têm sido justifi cadas
muitas ações desastrosas e, por que não dizer, catastrófi cas,
empreendidas por poucos sobre muitos. Como exemplo disto,
aponto o genocídio de indígenas por toda a América e o massacre
do povo judeu durante a Segunda Guerra Mundial.
Benjamin Constant foi
ministro da Instrução,
Correios e Telégrafos e
empreendedor da reforma
educacional de 1890.
Somente em 1930, criou-se
o Ministério da Educação e
Saúde no Brasil.
26
Universidade do Sul de Santa Catarina
A nossa bandeira, com o seu lema,
atesta a intensa repercussão da
doutrina positivista na política e
sociedade brasileira. Dominando o
pensamento das classes mais abastadas,
o Positivismo repercutiu em diversos
setores da sociedade: na educação,
propondo uma reestruturação do
ensino; na política, a separação entre
a Igreja e o Estado; e, na religião,
a liberdade de cultos. Infl uenciou,
também, a mocidade intelectual que,
então, passava a adotar um foco mais científi co do que literário
sobre temas específi cos ou gerais, e começava a se preocupar
mais efetivamente com estudos de caráter social, sob a égide não
só desta teoria, mas também das teorias liberais e evolucionistas.
Deste modo, podemos perceber que, constituídas o fundamento
para a solução de problemas através do método científi co,
as idéias positivistas, liberais e evolucionistas passaram a ser
discutidas abertamente nos âmbitos político e científi co.
A bem da verdade, este foi um processo desencadeado no Brasil
a partir da segunda metade do século XIX, e que se acentuou
diante de alterações no cenário econômico e político, com
repercussão, inclusive, nas áreas de atuação das elites intelectuais
nacionais.
Fernando Azevedo resume bem as mudanças intelectuais da
época:
[...] em um período em que as ciências matemáticas
tomam novo impulso com Otto Alencar, entra em
atividade o Museu Paraense fundado por Emilio Goeldi,
em 1855. Hermann von Ihering é chamado a dirigir
o Museu Paulista em 1893, que lhe dá alto cunho
científi co; Barbosa Rodrigues reorganiza o Jardim
Botânico e Nina Rodrigues empreende na Bahia pela
primeira vez um estudo rigorosamente científi co de
parte considerável de nossa população constituída pelo
elemento afro-americano. Além do Museu Nacional que
passa por grande transformação sob a impulsão de Batista
Lacerda. (SCHWARZ apud Azevedo, 1995, p.25).
Figura: A Pátria de Pedro Bruno
Fonte: hemi.nyu.edu//Ricardo Brugger/image009.jpg
27
Sociologia da Educação
Unidade 1
Foi, também, neste clima que os estudos sociais nas universidades
de Direito do Recife e de São Paulo começaram a se delinear.
Preocupados em estabelecer um “código nacional”, os estudantes
da faculdade de São Paulo adotaram, em sua maioria, os modelos
liberais de análise, enquanto que, no Recife, predominava o
social-darwinismo.
A partir dos anos 70, as inovações nas diversas áreas da sociedade
brasileira já eram muito visíveis:
Com efeito, esse período coincide com a emergência
de uma nova elite profi ssional que já incorporara os
princípios liberais à sua retórica e passava a adotar
um discurso científi co evolucionista como modelo
de análise social. Largamente utilizado pela política
imperialista européia, esse tipo de discurso evolucionista
e determinista penetra no Brasil a partir dos anos 70
como um novo argumento para explicar as diferenças
internas. [...] Os mesmos modelos que explicavam
o atraso brasileiro em relação ao mundo ocidental
passavam a justifi car novas formas de inferioridade.
Negros, africanos, trabalhadores, escravos e ex-escravos
– ‘classes perigosas’ a partir de então – nas palavras de
Silvio Romero transformavam-se em ‘objetos de sciencia’
(prefácio a Rodrigues, 1933/88). Era a partir da ciência
que se reconheciam diferenças e se determinavam
inferioridades. (SCHWARZ, 1995, p.28).
No Brasil do fi nal do século XIX e início do século XX,
muitas eram as perguntas que instigavam os diversos grupos
de intelectuais. Perguntas do tipo O que é o Brasil? e Como
é a sociedade brasileira? levaram muitos estudiosos a se
preocuparem em compreender as relações e a composição da
sociedade daquele momento.
De início, temos em Machado de Assis e Euclides da Cunha
importantes pensadores sociais. Enquanto o primeiro retratava as
relações sociais urbanas em obras como Esaú e Jacó, o segundo
voltava seu olhar para questões sociais do Brasil rural -- um
exemplo é o seu clássico Os Sertões, em que relata o trágico
episódio de Canudos.
28
Universidade do Sul de Santa Catarina
Machado de Assis dizia: “Homem de ciência, é só de
ciência, nada o consterna fora da ciência” (Machado de
Assis apud SCHWARCZ, 1995, p.28). Com esta frase, ele
resumia uma tendência da época: ver a ciência não
apenas como profi ssão, mas como sacerdócio.
Posteriormente, outros estudiosos foram surgindo como
representantes do pensamento social brasileiro, entre eles Sérgio
Buarque de Holanda, com a obra Raízes do Brasil, e Caio Prado
Junior, com História Econômica do Brasil, ambos seguidores de
diferentes concepções teóricas. Cabe assinalar a importância
de Anísio Teixeira, educador de grande expressão não apenas
por pensar a questão educacional brasileira, mas por propor
mudanças no sistema de ensino público nacional; e, ainda,
Fernando Azevedo, um dos idealizadores do ensino público e
laico no Brasil. Na primeira metade do século XX, um outro
nome teve grande destaque no contexto dos estudos sociológicos
e se tornou um dos grandes expoentes da sociologia brasileira:
trata-se de Florestan Fernandes, com obras importantes como
Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada.
Bem, até aqui você conseguiu relembrar alguns aspectos do
surgimento da Sociologia enquanto ciência e a sua inserção
no contexto político e social brasileiro. Convido-o(a) a dar
continuidade a seus estudos, descobrindo nas próximas seções um
pouco mais sobre esta ciência e a sua relação com a educação.
SEÇÃO 3 - A sociologia na escola: novos expoentes
No Brasil, diversos fatores contribuíram para a inserção de
novas idéias na educação e inclusão da Sociologia nos currículos
escolares. Entre eles, temos: o fi m da Primeira Guerra Mundial;
a industrialização e a urbanização, estas que traziam à tona um
novo grupo nacional, uma espécie de pequena burguesia, a qual
almejava o acesso à educação, algo principalmente reservado aos
grupos aristocratas espalhados pelo Brasil. Esses fatores, e tantos
outros, contribuíram para mudar a estrutura econômica e política
do país. Neste contexto, o estudo da Sociologia passou a ser
Enquanto Sérgio Buarque de
Holanda era adepto das idéias
positivistas de Max Weber,
Caio Prado Junior sofria forte
infl uência das concepções
marxistas.
29
Sociologia da Educação
Unidade 1
visto como de fundamental importância na educação das futuras
gerações, contemplando a formação de perfi s de liderança nos
diferentes setores da sociedade brasileira.
Esta ciência foi introduzida como disciplina
primeiramente em cursos de formação de professores.
Posteriormente, por volta de 1928, com a criação de
cadeiras de Sociologia no tradicional Colégio Pedro
II e na Escola Normal do Rio de Janeiro e, do Recife.
A partir da Reforma Francisco Campos (1931-1932),
tivemos o ensino secundário dividido entre o ciclo
fundamental e complementar. Então a Sociologia
permaneceu fazendo parte do segundo ciclo.
Somente após esse período, teríamos a inserção desta
disciplina nos currículos de ensino superior: primeiro,
na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo;
depois, na própria Universidade de São Paulo.
Então, a Sociologia passa a atender a algumas exigências,
entre elas estudar o Brasil por meio de uma perspectiva nossa –
nacional, deixando de lado padrões produzidos pelos europeus
única e exclusivamente; incentivar o nacionalismo, unindo as
camadas sociais em torno de um projeto político, econômico e
social brasileiro; e, por fi m, explicar a realidade nacional com os
olhares voltados para a modernização do país.
Nesse contexto, houve alguns movimentos muito importantes
em favor da educação nacional, entre eles: o entusiasmo
pela educação e o otimismo pedagógico, os quais acabaram
infl uenciando um grupo de educadores nacionais em prol do
movimento conhecido como Escola Nova. Educadores, entre
eles Anísio Teixeira e Fernando Azevedo, introduziram o
pensamento liberal-democrático na educação, em defesa de
uma escola pública para todos, com o objetivo de alcançar uma
sociedade igualitária e sem privilégios.
Você já efetuou estudos sobre
esses diferentes movimentos
na educação, precisamente
na disciplina História da
Educação.
30
Universidade do Sul de Santa Catarina
Segundo Machado (2002), este movimento defendia o ensino
público como a única forma de se alcançar uma sociedade mais
justa e democrática. O grupo desejava uma escola única e para
todos, gratuita, leiga, nacional e, principalmente, organizada pelo
Estado e não, pela Igreja. Em 1932, é publicado o Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova, encabeçado por Fernando Azevedo
e assinado por outros 26 educadores de expressão nacional.
Coube aqui lembrarmos aspectos referentes à Escola
Nova, porque esse movimento teve importância
signifi cativa para o avanço das discussões sobre a
educação no Brasil, redirecionando e trazendo para
o bojo do debate a “educação enquanto problema
social”.
Passado o período da ditadura Vargas, muitas mudanças
começam a marcar o cenário nacional. A partir da segunda
metade da década de 40, a realidade brasileira irá passar por
novas transformações, com efetivos refl exos nos enfoques
selecionados pela Sociologia. No curso da década de 50, os
sociólogos preocupam-se com a constituição de uma sociedade
mais justa e democrática. E, em meio à escolha de governos
democráticos, a população cultiva a esperança de ver mudanças
e desenvolvimento no país, através de um projeto político que
prometia “crescer 50 anos em 5”.
Desde então, a Sociologia consolida-se no país, com uma nova
geração de sociólogos que busca independência das idéias
européias, passando a analisar os diferentes problemas sociais
brasileiros a partir de sua própria realidade. Entre os problemas
em pauta, temos a educação que, principalmente a partir da
década de 60, passa a constituir objeto de pesquisa da Sociologia
Brasileira. Naquele momento, tinha-se como mote das discussões
o papel da educação na mudança social e no desenvolvimento
econômico do país, entendendo-se a educação como fator de
transformação social.
Figura: Anísio Teixeira
Fonte:
31
Sociologia da Educação
Unidade 1
Entre os pensadores que buscaram compreender
o papel da educação na construção de uma nova
realidade social, destacou-se Florestan Fernandes
com sua inegável contribuição para a educação e sua
grande capacidade de produção teórica e crítica sobre
a realidade brasileira.
Infl uenciado pelas idéias marxistas, suas contribuições
projetaram-se além da teoria. Sua sociologia buscava resgatar a
realidade histórica do Brasil, analisando a forma de pensar dos
grupos e classes sociais brasileiras. Em seus estudos, faziam-se
presentes, além de discussões sobre as relações e a organização da
sociedade, questionamentos a respeito do modelo de capitalismo
dependente que se instalara no Brasil e a função do intelectual
na sociedade. Estudos mais específi cos sobre a cultura brasileira
também eram alvo de suas pesquisas, como os que discutiam e
questionavam “o mito da democracia racial”. Florestan Fernandes
sustentava que existia no Brasil muita discriminação e exclusão
social em relação aos afrodescendentes, diferentemente de
Gilberto Freyre, o qual afi rmava haver uma suposta “harmonia
entre as raças”.
Especifi camente sobre a educação no Brasil, Florestan a via
como excludente das classes trabalhadoras e pobres, no que dizia
respeito não somente ao acesso à escola, como
também, à continuidade dos estudos. Para
ele, as instituições de ensino no Brasil não se
adequavam à realidade nacional, nem em termos
de qualidade, nem em termos de quantidade.
Isto se devia, principalmente, às ultrapassadas
técnicas de intervenção na realidade do
estudante e à falta de investimentos na educação.
Para ele, o descaso com a educação no Brasil
era uma forma de perpetuação no poder pelas
classes dominantes, barrando, assim, uma
possível ascensão das classes trabalhadoras.
Defendia a idéia de que a educação poderia oferecer situações
que contribuiriam na construção de uma realidade social mais
justa e democrática; e afi rmava que a escola, do modo como
estava organizada, servia para convencer a sociedade e não, para
transformar a realidade.
Figura: Florestan Fernandes
Fonte:
32
Universidade do Sul de Santa Catarina
SEÇÃO 4 - Movimentos de educação popular
Consoante você pôde ver na seção anterior, tivemos, na década
de 50, além de mudanças políticas e econômicas, mudanças
na forma de pensar uma sociedade mais justa; e
ideais nesta direção. Foi nesse contexto político,
sobretudo democrático, que começou a se fazer
visível a pressão por melhoria das condições de vida
e de acesso às políticas públicas no Brasil. “Temas
como mobilidade e exclusão sociais compuseram
a agenda política de grupos e movimentos sociais,
trazendo a precária situação de oferta da educação
para uma dimensão predominantemente social.”
(BOMENY, 2001, p. 60).
As ciências sociais ofereceram conteúdo intelectual e legitimidade
acadêmica aos apelos populares, tanto pela intervenção de
intelectuais na política, quanto pela criação de instituições
especializadas de pesquisa. Nos anos 50, por meio da criação
do Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional, efetivou-se
fi nalmente o encontro entre ciências sociais e educação. Então,
expoentes como Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Florestan
Fernandes e Oracy Nogueira conduziam pesquisas sociológicas
sobre os problemas brasileiros, entre eles a dívida que o Brasil
tinha com relação ao oferecimento de educação básica.
Neste período afl orou a demanda pela educação popular e pelo
aumento na oferta de ensino às classes até então excluídas deste
processo. Como um ressurgimento de questões sociais tão
antigas e caracteristicamente brasileiras, este velho problema
precisava ser pelo menos amenizado. Não apenas cientistas
sociais renomados, como os que citamos, se envolveram com a
questão: a própria Igreja Católica trouxe à tona valores da teoria
da libertação, tornando militantes alguns segmentos do clero e
quebrando, de certa forma, a homogeneidade no modo de pensar
e agir que se verifi cara naquele âmbito, na década de 30. As
diferenças de paradigmas entre os setores mais conservadores e
mais progressistas eram visíveis e a chamada teoria da libertação
deslocou da elite para as camadas excluídas da população o foco
da Igreja.
Figura: Era JK
Fonte:
33
Sociologia da Educação
Unidade 1
Pode-se afi rmar que, na década de 50 e início dos
anos 60, a atmosfera a impregnar a cultura brasileira
contagiou também a educação. Temas polêmicos,
como mobilidade e exclusão social, eram recorrentes
na agenda política de grupos integrantes de
movimentos sociais, os quais avaliavam a precária
situação de oferta da educação a partir de uma ótica
predominantemente social.
Foi nessa atmosfera que surgiram diversos movimentos de
educação popular. Com diferentes concepções ideológicas e
de infl uência tanto marxista quanto cristã, atuavam de formas
variadas. Através de peças de teatro, atividades nos sindicatos e
nas universidades; promoviam cursos, exposições, publicações,
exibição de fi lmes e documentários visando ao acesso à educação;
alfabetizavam a população rural ou urbana marginalizada; e
treinavam líderes locais, propondo uma maior participação
política em suas comunidades.
Os principais movimentos foram os seguintes:
! Movimento de Educação de Base (MEB): dirigia-se
às classes trabalhadoras com o objetivo de ampliar o
universo cultural e educacional de setores da população
brasileira. Foi criado em 1961 pela CNBB (Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil) e era mantido
economicamente pelo governo federal;
! Centros Populares de Cultura (CPC): surgiu em 1961,
por iniciativa da UNE (União Nacional dos Estudantes),
caracterizando-se também como de caráter pedagógicocultural
de conscientização política e mobilização social.
Levavam teatro, cinema, artes plásticas, literatura e
outros bens culturais ao povo;
! Movimentos de Cultura Popular (MCP): tendo sido
o primeiro ligado à prefeitura de Recife, iniciou suas
ações em 1960 e tinha como objetivo ampliar o universo
cultural dos segmentos populares brasileiros. Paulo Freire
integrou este movimento.
34
Universidade do Sul de Santa Catarina
Podemos dizer que o movimento pela educação andava de mãos
dadas com os movimentos de cultura popular, e que ‘a pedagogia
do oprimido’ de Paulo Freire encontrava na defesa da educação
pública sua base de apelo social. “Escola, conscientização,
ascensão social e transformação política sintetizam os quatorze
anos de efervescência interrompidos com o Golpe de 1964 e a
subseqüente suspensão da experiência democrática no Brasil.”
(BOMENY, 2001, p.61).
4.1 - Paulo Freire: saberes necessários à prática educativa
Na aurora do tempo em que, coletivamente, pela única
vez alguma educação no Brasil foi criativa e sonhou
que poderia servir para libertar o homem, mais do
que, apenas, para ensiná-lo, torná-lo ‘doméstico’.
(BRANDÃO, 2001, p. 17).
Quando se fala em educação popular no Brasil, não podemos
deixar de referir Paulo Freire, um dos grandes educadores
da atualidade não só aqui, mas no mundo, e que se tornou
referência, graças à sua prática e experiência, ao pensar a
sociedade brasileira e a educação.
Vamos conhecer um pouco sobre a vida desse grande
educador?
Paulo Reglus Neves Freire nasceu em 19 de setembro de 1921,
em Recife, capital pernambucana. Era fi lho de família de classe
média, que, aos poucos, foi empobrecendo devido à crise mundial
de 1929 - esta crise também abalou o Brasil. Quando tinha oito
anos de idade, sua família se mudou para Jaboatão, arredores
de Recife. Aos 13 anos, perdeu seu pai e teve que parar com os
estudos. Aos 16 anos, voltou a estudar e ingressou no ginásio,
graças a uma bolsa de estudos que conquistou. Aos 20, entrou
na faculdade de Direito de Recife, sendo que, desde os 17 anos,
já dava aulas de português. Foi casado com Elza Maia Costa de
Oliveira, com quem teve quatro fi lhos. Morreu em abril de 1997.
35
Sociologia da Educação
Unidade 1
Paulo Freire era cristão, e de seu cristianismo vinha parte
de suas inspirações e ações enquanto educador. Oriundas do
cristianismo, mas embasadas em uma teologia libertadora, suas
práticas estavam constantemente preocupadas com o contraste
entre a pobreza e a riqueza no Brasil, riqueza esta que resultava
em privilégios sociais e desigualdades entre os mais pobres.
Escreveu inúmeras obras que ajudaram e ajudam os educadores a
pensar constantemente a educação e a sociedade brasileira. Tais
obras têm como característica a relação entre a teoria e a prática,
relação esta que sempre deve levar em conta a realidade do
aluno. Segundo Piana (2002), a marca de seus escritos é a relação
entre o contexto e o texto, que expressa a sua orientação teóricometodológica.
Em Educação como prática da liberdade
(1965), características como a visão
idealista marcada pelo pensamento
católico se apresentam no texto. Já, na
famosa obra Pedagogia do Oprimido
(1970), “faz uma abordagem dialética
da realidade, cujos determinantes se
encontram nos fatores econômicos,
políticos e sociais.” (ARANHA, 2001,
p. 206). Entre suas obras, podemos dar
destaque, ainda, às seguintes: Carta à
Guiné Bissau, Vivendo e aprendendo, A
importância do ato de ler e À sombra desta
mangueira. Esta última apresenta a ótica política do autor com
a abordagem de temas polêmicos, a saber, a sua experiência
no exílio e a sua visão sobre o neoliberalismo e organismos
internacionais, como o FMI e o Banco Mundial.
Estudioso árduo, buscou continuamente, em outras
fontes, embasamento político e fi losófi co para suas
propostas pedagógicas. O marxismo, o anarquismo
e a Teoria da Libertação podem ser apontados como
importantes correntes teóricas que infl uenciaram o
seu pensamento.
Figura: Paulo Freire
Fonte:
36
Universidade do Sul de Santa Catarina
Paulo Freire se entendia e entendia os sujeitos como seres
humanos em construção, construção que se daria por meio da
constante busca de conhecimento. Entendia que:
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí
que a posterior leitura desta não possa prescindir da
continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade
se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a
ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção
das relações entre o texto e o contexto. (FREIRE, 1992,
p.11-12).
Partindo do princípio de que vivemos em uma sociedade dividida
em classes e que uma tem privilégios sobre as outras, considerava
que “a vocação humana de ser mais só se concretiza pelo acesso
aos bens culturais [...]”, e que, entre esses bens culturais, está
a educação, à qual, geralmente, grande parte da população,
principalmente de países do chamado “Terceiro Mundo”,
não tem acesso. Para ele, haveria dois tipos de pedagogia: “a
pedagogia dos dominantes, na qual a educação existe como
prática da dominação, e a pedagogia do oprimido – tarefa a ser
realizada -, na qual a educação surge como prática da liberdade.”
(ARANHA, 2001, p. 207).
Sua “pedagogia problematizadora”, como ele mesmo a
classifi cava, estava voltada à alfabetização de adultos e era a
expressão da sua crença no poder libertador pela consciência e
pelo conhecimento. Acreditava ele que o homem tem vocação
para ser sujeito ativo e participativo e não, mero objeto da
história. “Libertar o homem do povo de seu habitual mutismo
era a missão e a motivação para a mobilização pedagógicopolítica
que deu vida ao método de Freire.” (BOMENY, 2001,
p.59). Esta concepção problematizadora da educação considera
que conhecer deve ser um processo estabelecido no contato
do homem com o mundo vivido: um processo dinâmico e em
contínua transformação.
37
Sociologia da Educação
Unidade 1
Paulo Freire fi cou conhecido pelo método de
alfabetização criado e idealizado por ele. Neste,
priorizava ensinar despertando a consciência e
levando a aprender a partir das experiências concretas
de cada um. Entendia que “Todo ato educativo é um
ato político”.
Como nos coloca Brandão (2001, p.15), “o ‘método’ foi só a
botina que calçaram nos pés para caminhar”, pois Paulo Freire
não propôs apenas um método psicopedagogicamente diferente,
entre tantos outros, mas, antes disso, pensou sobretudo uma
educação contra tantas já estabelecidas. A sua forma de pensar a
educação se colocava contra outras, e assim também o seu modo
de ver o mundo.
Temos de ter claro que, de acordo com o posicionamento
fi losófi co, o método pensado por Freire não poderia ser reduzido
a mera técnica de alfabetização, bem como, os educadores
não deveriam ser compreendidos como os “sabidos” que já
saberiam de antemão o que tratar e trabalhar com os educandos.
Precisava-se, acima de tudo, ter consciência das diferenças
regionais e culturais que caracterizam o Brasil. Em decorrência,
“as cartilhas” teriam de ser rejeitadas, pois acabavam, na maioria
das vezes, tratando de assuntos bastante distantes da realidade
vivida pelo estudante. Dentro desta ótica, os educadores
deveriam superar a postura autoritária e estar abertos ao diálogo,
procurando ouvir os educandos.
Diferentemente de métodos meramente técnicos de alfabetização,
Paulo Freire pensou num método construído com base na idéia
de um diálogo entre educador e educando. A partir dessa idéia,
tal método não poderia se apoiar em materiais já prontos, como
cartazes, cartilhas, cadernos de exercício, que trouxessem de seu
mundo (educador) um material e uma fala distante da realidade
do educando. Sendo assim, esse método partia do pressuposto
de que ninguém educa ninguém e ninguém se educa sozinho. A
educação deveria ser um ato coletivo, solidário e de amor, nunca
imposta, uma vez que educar deveria constituir uma tarefa de
troca e jamais realizada por um sujeito isolado: “até a
auto-educação é um diálogo a distância”. (BRANDÃO, 2001, p.
22).
38
Universidade do Sul de Santa Catarina
Você já parou para pensar como seria para um
operário adulto, depois de uma longa jornada de
trabalho, chegar a uma sala de aula e ter que repetir as
seguintes frases:
Eva viu a uva.
A ave é do Ivo.
Ivo vai na roça.
Percebe?
Pois bem: Freire pensava que a educação não poderia ser
resultado do depósito de conhecimento de quem supostamente
possui todo o saber, sobre aquele que foi obrigado a pensar que
não possui nenhum saber. A partir do exposto, acreditava ser
necessário fazer o que ele chamava de levantamento do universo
vocabular, com o intuito de escolher palavras geradoras, as quais
variavam conforme o local ou a região. Por exemplo: numa
região de Pernambuco, as palavras escolhidas foram tijolo, voto,
siri, palha, doença, emprego, mangue... Já, em favelas do Rio
de Janeiro, seriam chuva, terreno, comida, batuque, trabalho,
salário, governo... Então, a partir deste universo vocabular
pertencente à realidade do educando, dar-se-ia início a um
processo de alfabetização voltado à leitura não só das palavras,
mas também do entendimento delas dentro do seu mundo.
[...] aqui, as palavras não são só um instrumento de
leitura da língua; são também instrumentos de releitura
coletiva da realidade social onde a língua existe, e existem
os homens que a falam e as relações entre os homens.
(BRANDÃO, 2001, p.30-31).
Neste sentido, o processo educacional seria baseado num diálogo
de constante troca, em que o educador não é mais aquele que
apenas educa, mas aquele que é educado enquanto educa. Emana
deste processo, assim, um conhecimento crítico e refl exivo que
possibilita aos envolvidos posicionarem-se de forma política, a
fi m de transformar o mundo.
39
Sociologia da Educação
Unidade 1
Apesar de ter sido um educador que
contribuiu para alterar o pensamento
acerca de metodologias de ensino
e, sobretudo, da educação, Freire
sofreu muitas críticas: dos católicos
conservadores, por se utilizar dos
pensamentos marxistas para orientar
suas ações; de intelectuais esquerdistas,
que o acusavam de sucumbir ao
nacional-desenvolvimentismo; e, por
fi m, dos que diziam ser sua “pedagogia”
demasiado espontaneísta, e não,
diretiva. Sobretudo, é inegável a sua contribuição à educação e
o seu compromisso com a transformação do indivíduo apto a
empreender uma transformação social.
SEÇÃO 5 – Educação enquanto análise sociológica
Ao discutir a educação enquanto objeto de análise sociológica,
temos que nos reportar novamente aos clássicos da Sociologia.
Cientistas sociais como Durkheim, Marx e Weber também se
envolveram com a questão educacional e tentaram, cada qual à
sua maneira, compreendê-la.
Resumidamente, podemos apontar como pensavam os aspectos
educacionais: Marx defendia uma transformação na educação
daquele momento; via-a, da forma como estava organizada,
a serviço das classes dominantes; Weber se preocupava em
compreender as formas de dominação e relações de poder
presentes nas instituições educativas; e, por fi m, Durkheim
considerava que a educação tinha o papel de perpetuar as normas
e regras sociais para os indivíduos. (PIANA, 2002).
No Brasil, a Sociologia da Educação se institucionalizou
enquanto disciplina científi ca bem mais tarde. E, somente a
partir da segunda metade da década de 60, a educação se irá
constituir em campo de pesquisa sociológica, como você já pôde
perceber em seções anteriores.
Figura: alunos em sala de aula Estado do Piauí
Fonte:
40
Universidade do Sul de Santa Catarina
Aqui a Sociologia da Educação foi infl uenciada
fortemente por duas correntes do pensamento
sociológico: a funcionalista e a confl itualista.
Pode-se dizer que Durkheim desenvolveu a fundamentação
da corrente funcionalista, tanto no que diz respeito à estrutura
social quanto à evolução sociohistórica. Para ele, a educação era
eminentemente social. Via tanta importância na educação, que
afi rmava ser esta responsável pela transformação do “indivíduo
biológico socialmente indeterminado no indivíduo socialmente
integrado [...].”(PETITAT, 1994, p.13).
Segundo ele, a ação pedagógica para a infância deveria ser
responsável pelo desenvolvimento de conteúdos morais e
intelectuais sempre em concordância com a estrutura social
vigente. Assim, a sociedade deveria ser harmônica e solidária, e
os confl itos sociais somente surgiriam onde estes elementos não
se fi zessem presentes. Contrário a outros sociólogos, ele não via
aspectos positivos nos confl itos sociais, afi rmando não acreditar
que o estado confl ituoso entre as classes sociais, nesse caso
burgueses e proletários, concorresse para a geração de uma nova
sociedade.
Dentro de seu ponto de vista, a educação deveria
“inculcar”, nas crianças, idéias, práticas e sentimentos
semelhantes e essenciais à sociedade, sem levar em
conta as diferenças sociais. Nas sociedades em que
o ensino fosse mantido pelo Estado, certos valores
comuns a uma sociedade democrática e industrial
deveriam ser respeitados. Tais valores só poderiam,
é claro, reforçar a ordem social estabelecida – a
capitalista.
Essa educação, supostamente “igual para todos”, não deveria ser
aplicada por toda a idade escolar, sendo que, a partir de certa
idade, a criança deveria ser preparada para a profi ssão que iria ter.
De acordo com o ramo que o indivíduo viesse a ocupar quando
adulto, ele teria uma educação específi ca e complementar.
41
Sociologia da Educação
Unidade 1
Para a corrente funcionalista, de forma geral, a educação seria
uma estrutura crucial da sociedade. Esta corrente pode ser
subdividida, ainda, em funcionalismo estrutural: partindo
da idéia de que o funcionalismo analisa a sociedade como
um corpo humano, a educação nesta sociedade seria uma das
garantias de sobrevivência deste corpo. Esta teoria se preocupava
principalmente com a questão da escolarização; sobretudo, com
a forma como se dava a integração entre os indivíduos por meio
da educação e o modo como se organizavam os espaços escolares.
Aspectos como a transformação social e os confl itos sociais eram
negados por esta corrente, a qual os percebia como uma doença.
Com o intuito de manter a ordem social, a escola tinha como
um dos principais objetivos interiorizar a hierarquia social nos
indivíduos, com base no modelo capitalista. Esse clima de
diferenças e hierarquias era mantido também dentro das próprias
escolas, local onde a obediência às regras sociais e à disciplina era
indispensável e fundamental à manutenção de uma boa educação.
Estas características lhe são familiares? A escola em
que você estudou tinha incutidos, na forma de se
organizar, aspectos semelhantes a estes?
Bem, estes aspectos que você viu e talvez tenha até identifi cado
nas suas experiências escolares foram, praticamente, os únicos
a nortear os projetos pedagógicos brasileiros até a década de 60,
sendo que, a partir das diversas mudanças políticas surgidas no
Brasil desse período, outros ventos começaram a soprar e novas
infl uências estariam a se anunciar.
Ao contrário da corrente funcionalista, que via o confl ito como
um axioma da sociedade que precisava ser tratado, a corrente
confl itualista o percebia enquanto parte integrante da sociedade
e responsável por transformações sociais. Para a primeira corrente
estudada aqui, a sociedade era vista como um sistema integrado,
enquanto que, para a confl itualista, a sociedade era composta por
elementos contraditórios cuja estabilidade se dava de acordo com
as relações de dominação.
42
Universidade do Sul de Santa Catarina
Os cientistas sociais adeptos dessa corrente acreditavam que
os confl itos de classe, entre a burguesia e o proletariado,
seriam permanentes, até que se dissolvessem para dar lugar a
uma nova sociedade. Para eles, a burguesia só se mantinha no
poder devido à doutrinação ideológica que a mesma exercia,
principalmente, por meio de instituições como a escola, a qual
acabava reproduzindo a sua ideologia e, consequentemente, a sua
dominação.
Esta corrente, apesar de inspirada em pensamentos fi losófi cos
como o marxismo e no pensamento socialista do século XIX,
surgiu no Brasil a partir dos anos 50 como uma grande novidade
no âmbito educacional.
Seu foco era a análise dos fundamentos da sociedade
com o objetivo de identifi car as raízes dos problemas
sociais. Através da análise, a sociedade capitalista
poderia fazer a sua crítica.
Pesquisas infl uenciadas por esta corrente constataram que a
educação no Brasil daquele período não vinha atendendo a seu
principal objetivo de tornar a sociedade mais justa e humana.
Elas também mostraram que, da forma como estava organizada,
a escola acabava por acentuar ainda mais as diferenças sociais,
pois os alunos que obtinham sucesso eram sempre, na sua
maioria, provenientes de classes sociais favorecidas.
A partir da infl uência desta corrente na Sociologia da
Educação, a escola passou a ser compreendida apenas
como uma das partes que compõem o processo social
-- este muito mais amplo --, pois não podemos estudar a
escola de forma isolada e deslocada, sem relação com o
seu contexto político, econômico e cultural. A educação
para esta corrente vai além dos muros da escola, vai
para o mundo dos que se educam. Esta corrente, de
certa forma, infl uenciou educadores que buscavam
compreender a educação enquanto compromisso social --
como Paulo Freire.
43
Sociologia da Educação
Unidade 1
A partir da segunda metade da década de 70, esta corrente entrou
em crise, devido, principalmente, às transformações econômicas
e políticas ocorridas no mundo socialista, mas isto não signifi ca
que muitos de seus aspectos não continuassem a infl uenciar os
pensadores.
Por fi m, na década de 70 surgiram as chamadas Teorias de
Síntese, que, segundo Piana (2002), tinham por objetivo a
“busca de procedimentos metodológicos que proporcionassem
uma análise de vários temas do cotidiano educacional.” Temas
como o papel do professor, o currículo, a vida dos estudantes
eram alvo das preocupações sociológicas desta teoria. “Nesse
sentido, as chamadas teorias de síntese procuraram, mais do
que descartar teorias e/ou abordagens sociológicas, perceber os
limites e as possibilidades de análise da sociedade e da questão
educacional de cada uma delas.” (PIANA, 2002, p. 80).
Cabe lembrar que, apesar de seus limites, teorias
como a funcionalista e confl itualista são até hoje
utilizadas para o estudo da educação, uma vez que
encontramos, ainda bastante latentes, aspectos de tais
estudos no cotidiano escolar.
Aqui você fi naliza os estudos desta seção e unidade. Na
seqüência, convido-o(a) a desenvolver as atividades de
auto-avaliação, as quais o(a) ajudarão a refl etir sobre alguns
aspectos abordados nesta unidade. Bons estudos e até a próxima.
44
Universidade do Sul de Santa Catarina
Atividades de auto-avaliação
Efetue leitura cuidadosa das questões a seguir, procurando relacionar o
que você estudou e a sua prática. Só após a realização das atividades, você
deverá consultar os comentários e respostas correspondentes, que se
encontram no fi nal deste livro.
1 – Leia a citação a seguir, faça um pequeno comentário sobre a sua
aplicabilidade, ou não, no atual contexto educacional. Posicione-se de
forma crítica e utilize exemplos que justifi quem o seu posicionamento.
“O homem que a educação deve realizar, em cada um de nós, não é o
homem que a natureza fez, mas o homem que a sociedade quer que
ele seja; e ela o quer conforme o reclame a sua economia interna, o seu
equilíbrio”
(Émile Durkheim).
45
Sociologia da Educação
Unidade 1
2 – Cite dois aspectos que foram fundamentais para a constituição do
pensamento sociológico no mundo e no Brasil.
46
Universidade do Sul de Santa Catarina
3 – A partir do que você estudou, desenvolva um pequeno texto (no
mínimo 10 linhas), dissertando sobre aspectos importantes da proposta
pedagógica de Paulo Freire. Após, aponte um exemplo de como um
desses aspectos podem ser aplicados na sua prática pedagógica.
47
Sociologia da Educação
Unidade 1
Síntese
Nesta unidade, você pôde relembrar alguns aspectos já abordados
anteriormente pela disciplina Sociologia, como o surgimento
da Sociologia enquanto ciência e todo o contexto histórico que
contribuiu para que isso ocorresse. Viu que esses pensamentos
chegaram ao Brasil, de forma gradual e lenta. Que, no princípio,
vinham impregnados dos modismos europeus, mas que, aos
poucos, foram desenvolvendo um traço próprio e marcando as
produções científi cas e literárias genuinamente brasileiras.
A inserção da Sociologia enquanto disciplina também foi
alvo dos estudos aqui desenvolvidos, bem como os diversos
nomes da Sociologia da Educação que começaram a despontar
principalmente a partir do movimento da Escola Nova e que
iriam ganhar força a partir da abertura política pós Estado Novo,
culminando, na década de 50, numa vasta produção científi ca e
social de teóricos como Florestan Fernandes, Herbert de Souza e
Paulo Freire.
Junto com a referência a Paulo Freire como exemplo da intensa
produção dos anos 50, você conheceu, em parte, os diversos
movimentos populares em prol de uma educação pública de
qualidade e com um alcance nunca antes visto na história do
Brasil. Os movimentos de educação voltados principalmente
à alfabetização de adultos tiveram uma característica muito
particular do momento democrático que o país vivia: o
compromisso de diferentes setores da sociedade brasileira, de
saírem às ruas, fazendo algo para diminuir o abismo que separava
as classes excluídas do processo educacional de até então.
Por fi m, você viu as diferentes correntes desta ciência que
infl uenciaram os estudos da Sociologia da Educação no
mundo e no Brasil. A infl uência de Durkheim e de Marx na
fundamentação dos pensamentos funcionalista e confl itualista.
Aqui você encerra os estudos desta unidade. Vá adiante e
descubra outros aspectos que o(a) ajudarão a compreender um
pouco melhor o universo educacional.
48
Universidade do Sul de Santa Catarina
A gestão da Escola Pública: as educações públicas nacionais
[...] com o advento da Revolução Industrial (século XVIII),
as relações de trabalho e de produção são modifi cadas.
A industrialização e a introdução de novas técnicas de
trabalho no campo, que passa a produzir para o mercado,
força os servos a deixarem suas terras e irem em direção
às cidades em busca de melhores condições de vida. Surge
uma nova classe social, os operários, que vendem sua força
de trabalho em troca do pagamento de um salário. As
cidades crescem, a sobrevivência torna-se precária e, apesar
dos avanços tecnológicos da industrialização, os operários
não têm acesso aos benefícios da nova ordem econômica, o
capitalismo. A exclusão social da maioria da população faz
com que surjam as primeiras organizações de trabalhadores
e as primeiras críticas à exploração, fundamentando as
teorias socialistas. [...]
[...] O advento da sociedade industrial (século XIX)
ocasionou uma redefi nição dos objetivos da educação,
que adquiriu uma fi nalidade laica e voltada para o
desenvolvimento do saber científi co. Nesse contexto,
acelerou-se a preocupação por parte dos governos nacionais
com a formação de seus cidadãos e trabalhadores. Logo,
os estados europeus passam a tomar para si o encargo da
escolarização, dando especial atenção à educação elementar,
até então relegada a segundo plano. Pois bem, esse
movimento em prol da escola elementar estatal consolida-se
no decorrer do século XIX, na Europa, e expande-se para
os países subdesenvolvidos no século XX.
Ao longo do século XIX ocorre a consolidação da sociedade
burguesa e a vinculação da educação com o estado. Nesse
Saiba mais
Leia a seguir fragmentos de um interessante texto que aborda
diversos aspectos tratados nessa primeira unidade, de forma
bastante abrangente e didática.
49
Sociologia da Educação
Unidade 1
contexto, enquanto alguns pensadores viam a educação
como uma forma de perpetuar o domínio da burguesia
através da formação do povo, outros a entendiam como
uma forma do povo emancipar-se através do acesso ao
conhecimento e à instrução.
Neste sentido, no século XIX, dois modelos de educação
irão contrapor-se, representando a oposição de classes da
sociedade industrial: o burguês, inspirado no positivismo; e
o proletário, ligado ao socialismo.
O positivismo vai exaltar a ciência e a técnica, valorizando
a experimentação. Aquilo que é aplicado à biologia, à
ciência (leis e previsão), também se aplica à educação. Como
conseqüência, passa a ser central na formação a questão da
ciência, vista como o conhecimento característico do mundo
moderno baseado na indústria e que irá conter disciplinas
para a formação tanto intelectual como de caráter. Esse tipo
de educação possuía seus limites: por se basear na ciência
valorizava a instrução e a prática de ensino apenas para o
acúmulo de conhecimentos.
Para alguns autores, o positivismo representa o triunfo da
ordem estabelecida pela burguesia com a Revolução Industrial.
A educação vista como um dever das sociedades modernas
e um direito de cada cidadão irá pensar a escola como um
instrumento importante para o crescimento educativo das
sociedades industriais, apesar de uma educação diferenciada
de acordo com a classe social que pertencia o indivíduo.
O socialismo vai se contrapor à ideologia burguesa e
conseqüentemente às diferenças entre as classes sociais,
objetivando a reorganização da sociedade segundo um ideal
de justiça social e de igualdade entre os homens, ou seja,
uma sociedade sem classes.
Os princípios defendidos pelos socialistas, da solidariedade
e da justiça social, implicaram também uma mudança da
educação. Nesta perspectiva, a formação possuía estreita
ligação com a sociedade e a política, pois objetivava, em
última instância, formar um cidadão para uma mentalidade
50
Universidade do Sul de Santa Catarina
igualitária e antiindividualista. É o ideal de formação de
um indivíduo autônomo, solidário, politizado. Para os
socialistas, o saber e o conhecimento representam um meio
para a transformação da realidade social. Estes lutavam pela
democratização do ensino (universal) e pela escola única
(não dualista).
Nos textos de Karl Marx e Frederich Engels está presente
uma perspectiva pedagógica, com algumas propostas em
torno da instrução. A questão central da abordagem são as
condições econômicas e sociais dentro das quais o homem
se forma enquanto indivíduo. Falar em educação requer
considerar a realidade socioeconômica e a luta de classes
presente na sociedade, o que vai resultar numa concepção
de educação não mais idealista e neutra, mas, ao contrário,
determinada pela relação entre as condições sociais e
políticas. Para Marx, o trabalho enquanto atividade
essencialmente humana deve ser colocado como centro
da formação individual do homem. Assim, a sociedade
moderna deve formar um homem por completo, ou seja,
que tenha a capacidade tanto manual quanto intelectual.
Desta maneira, o modelo pedagógico e educativo
elaborado por estes pensadores trouxe para a pedagogia
contemporânea duas propostas inovadoras: a importância
do trabalho, o qual se contrapunha a uma educação
intelectualista, e a relação entre educação e sociedade.
Como você pode perceber, a educação positivista e a
educação socialista representam diferentes concepções de
homem e de mundo.
No fi nal do século XIX e primeiras décadas do XX, tanto
a prática quanto a teoria sofreram infl uência do processo
de transformação da vida social, política e econômica
na modernidade, na qual dois modelos econômicos se
contrapunham: capitalismo e socialismo. Nesta perspectiva,
como concepção de educação e de pedagogia deste período,
destacaremos a Escola Nova (ativista) e a marxista.
As Escolas Novas surgiram e se desenvolveram entre
a última década do século XIX e a terceira do século
51
Sociologia da Educação
Unidade 1
XX, principalmente na Europa Ocidental e nos EUA,
espalhando posteriormente sua infl uência para outros
países do mundo, inclusive no Brasil. Nesta concepção
de educação, a escola era concebida como a instituição
central para a construção de uma sociedade democrática.
Apresentava como característica comum a importância
dada à atividade da criança. A infância era vista como um
momento iniciador da formação intelectual e moral, de
forma que os processos cognitivos estavam relacionados
diretamente com a ação e o dinamismo. Neste sentido, era
valorizada a experimentação escolar e didática baseada no
“fazer” e na motivação individual. A vida na escola deveria
ser realizada de forma diferente da proposta praticada até
então, ou seja, num espaço afastado da cidade, em contato
com o ambiente externo, no qual a aprendizagem deveria
ocorrer através da atividade intelectual e prática, de modo a
não separar conhecimento e ação.
Podemos apontar como outra característica da Escola Nova
a preocupação com o trabalho, de forma que a educação não
estava voltada apenas para o acúmulo de conhecimentos,
mas para o trabalho, a cooperação e o autogoverno. Essa
proposta não se referia apenas à profi ssionalização, pelo
contrário, propunha a formação humana abrangente,
completa. Percebe-se, portanto, que a pedagogia estava
estreitamente ligada às ciências humanas (psicologia e
sociologia) e implicava, também, conotações políticas
(orientação democrática) e antropológicas (destinadas a
formar um sujeito mais criativo, inteligente e feliz).
Para a construção de uma sociedade mais democrática, a
Escola Nova trouxe contribuições importantes e representou
uma tentativa de superação da escola tradicional, voltada
para a memorização de conteúdos.
educação marxista do século XX aborda algumas idéias
centrais dos clássicos do século XIX, que você estudou
anteriormente, e apresenta características diferentes da
concepção burguesa de educação, apresentando uma
especifi cidade teórica e prática. De acordo com Franco
52
Universidade do Sul de Santa Catarina
Cambi, podemos citar como aspectos específi cos da
pedagogia marxista:
a relação e 1. ntre educação e sociedade, o que implica
que a prática educativa e a formação do aluno vão
depender dos interesses ideológicos relacionados
à estrutura econômico-política da sociedade e,
portanto, das classes que a governam;
2. o vínculo entre educação e política, presente nas
várias doutrinas pedagógicas e nas estratégias
educativas;
3. o papel central da educação na formação do ser
humano;
4. a formação integral do ser humano, com base na
teorização marxista;
5. a ênfase dada à disciplina e ao esforço em prol da
coletividade.
Os aspectos que permanecem fortes na pedagogia marxista
do século XX são a reivindicação por uma educação laica
e a integração entre a formação intelectual (instrução) e a
formação para o trabalho.
A experiência pedagógica mais signifi cativa do marxismo
foi a teorizada por Antonio Gramsci (Itália: 1891-1937).
Ele repensou os princípios metodológicos do marxismo e
sua visão de história, interpretando-o como historicismo,
centrado na atividade do ser humano na sociedade. O
marxismo, portanto, vai voltar sua atenção para o ser
humano, que, como um agente cultural, vai promover a
transformação da sociedade. Nesta perspectiva, esta não
será mais transformada a partir da estrutura (economia),
mas sim da superestrutura (a ideologia, a cultura). Dessa
forma, a pedagogia e a educação assumem importância
fundamental, pois a hegemonia cultural vai construir-se
a partir da ação das instituições educativas, tais como
a imprensa, o teatro, o cinema, o próprio partido e,
principalmente, a escola, responsável pela construção de
53
Sociologia da Educação
Unidade 1
uma cultura histórica de natureza científi ca, para superar a
concepção religiosa do mundo.
Gramsci morreu na prisão durante o governo de Mussolini.
Desenvolveu refl exões sobre o papel do intelectual na
cultura e na educação. Defendeu a substituição da escola
classista burguesa por uma escola unitária que deve oferecer
a mesma educação para todas as crianças. Uma educação
que possibilite o contato com a técnica de seu tempo, sem
deixar de lado a cultura geral, humanista e formativa. O seu
pensamento infl uenciou as refl exões de muitos educadores,
os quais serão chamados de marxistas revisionistas. [...]
A Gestão da Escola Pública: as educações públicas
nacionais. In: A educação moderna e contemporânea:
as concepções de homem e educação no Brasil / Aldonei
Machado...[et al.]. – Florianópolis: UDESC/CEAD, 2003.
98p.:il. – (Caderno de história II). P. 31-36.
Para saber mais sobre os conteúdos abordados nesta unidade,
sugiro a você consultar também os seguintes livros:
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é método Paulo Freire.
São Paulo: Brasiliense, 1981.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à
prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
IANNI, Octávio. Sociologia da Sociologia: o pensamento
sociológico brasileiro. 3.ed. São Paulo: Ática, 1989.
UNIDADE 2
Produção social, ideologia e
sujeitos
Objetivos de aprendizagem
! Verifi car como se dá a produção e a reprodução da
sociedade.
! Compreender o papel da escola no processo de
produção e de reprodução social.
! Entender o conceito de ideologia e como esta se aplica
às mais diversas relações sociais.
! Perceber como se dá a construção do sujeito na
sociedade moderna.
Seções de estudo
Seção 1 Produção da sociedade
Seção 2 Ideologia e a produção do sujeito na
sociedade moderna
Seção 3 A escola no processo de produção e de
reprodução social
2
56
Universidade do Sul de Santa Catarina
Para início de estudo
Na unidade 1, você teve descrito o modo como a Sociologia da
Educação se desenvolveu e enumerados e detalhados os objetos
de estudo correspondentes. Nesta unidade 2, terá analisados
temas bastante polêmicos, todos eles considerados fundamentais
à continuidade de seus estudos nesta disciplina.
Inicialmente, você vai ver a questão da produção e reprodução
da sociedade. Aqui aponto aspectos teóricos relevantes para
se responder a indagações do tipo O homem faz a sociedade, ou
a sociedade faz o homem? Efetivamente, é-lhe necessário, para
tal, ter esclarecidos alguns conceitos fundamentais, que o(a)
habilitem a compreender o processo social em sua intrínseca
complexidade. E é neste mesmo sentido que você terá detalhado
o signifi cado da palavra ideologia em suas diversas acepções,
bem como, o papel da ideologia na produção da sociedade e
do sujeito. Perceberá, então, que tentar conceituá-la não é tarefa
fácil, correndo-se, mesmo, o risco de se fazerem generalizações
inadequadas.
Por último, trago à discussão a seguinte questão: Será que a escola
é, ou pode se tornar, um forte instrumento na produção e/ou reprodução
da sociedade? Estes são os aspectos discutidos na última seção
desta unidade.
Cabe ressaltar que aqui estão colocados alguns referenciais, os
quais podem nortear discussões como estas. Impõe lembrar,
entretanto, que, por se tratar de questões muito polêmicas, estas
querem-se apenas norteadoras e introdutórias, e remetem a
pesquisas e leituras complementares.
Vamos então?
57
Sociologia da Educação
Unidade 2
SEÇÃO 1 – Produção e reprodução da sociedade
Inicio esta seção com uma pergunta para você:
O homem faz a sociedade, ou a sociedade faz o
homem?
Bem, já não é de hoje que esta pergunta recorre os meios
científi cos e, principalmente, o âmbito onde pontuam os
sociólogos. Na realidade, está posta em estudos, questionamentos
e discussões desde as primeiras manifestações da Sociologia
enquanto ciência.
E trata-se de uma pergunta de natureza dialética, com certeza,
ao indicar, de um lado, a possibilidade de se perceber a sociedade
enquanto determinante das ações individuais; e, de outro, o
indivíduo como agente criador e transformador da vida em
sociedade. Um confl ito conceitual, interpenetrante, com o qual,
repito, os cientistas sociais lidam até hoje.
Diante do impasse, alguns cientistas se empenharam em
“demonstrar a existência plena de uma vida coletiva com alma
própria, acima e fora das mentes dos indivíduos. [...] Outros
pensaram em tratar a ação individual como ponto de partida para
entendimento da realidade social [...]. (RODRIGUES, 2007, p.
17-18).
Continuamos sem conclusões, não é?
Mas pode-se afi rmar que, de certa forma, todos os cientistas os
quais se envolveram com essa questão não estiveram errados em
suas afi rmações, pois os homens criam a sociedade ao mesmo
tempo em que ela os cria, e o mundo criado dura o tempo de
vida de cada indivíduo. Partindo desta idéia, torna-se possível
perceber a importância das demais ciências -- por exemplo, a
História --, para se pensar a Sociologia, ou, mais especifi camente,
a Sociologia da Educação. Afi nal, como pensar, estudar, analisar
a história humana, sem que se conheça a vida dos homens?
58
Universidade do Sul de Santa Catarina
Isto remete a pensar que não é possível dissociar o sujeito da
sociedade e, conseqüentemente, dissociar a educação, seja do
social, ou do sujeito. É como uma trama em que se procuraria,
sem resultado, localizar a ponta do fi o.
A presente discussão, introdutória, direciona a alguns
aspectos do pensamento sociológico de Durkheim,
voltado à percepção da sociedade. Para ele, distinto do
reino mineral e do vegetal, existia um “reino social”,
muitas vezes chamado por ele de “reino moral”. Este
seria um lugar composto pelas idéias e pelos ideais
coletivos. Infl uenciado pelo cientifi cismo do século
XIX, Durkheim considerava o sociólogo como o
único cientista que poderia descobrir as leis da vida
social, do mesmo modo que um físico descobrira a
lei da gravidade. Na sua visão, a Sociologia era uma
ciência positiva acima de tudo, embasada em métodos
e leis.
Partindo-se da idéia de que a sociedade nos molda,
será, então, correto afi rmar que a educação tem como
objetivo nos dar formação e, também, nos enquadrar
aos moldes da sociedade?
Para Durkheim, o meio moral é produzido a partir da
cooperação entre os indivíduos, por meio de um processo de
interação chamado por ele de divisão social do trabalho. Em
decorrência desta divisão social do trabalho, obtém-se uma
forma de cooperação, ou seja, de vida em coletividade, que vai
dar origem a um determinado tipo de vida moral. Esta, por sua
vez, constituirá a base de crenças, valores e normas, a qual acaba
sendo transmitida de geração a geração, e que, para ele, recebia o
nome de educação. Educação num sentido mais amplo, num
sentido muito próximo da palavra cultura, ou seja, apontando
para a maneira como nos comportamos em sociedade. “Assim,
a educação, para Émile Durkheim, é essencialmente o processo
pelo qual aprendemos a ser membros da sociedade. Educação é
socialização.” (RODRIGUES, 2007, p. 27).
Bem, a partir desta rápida visita à concepção de Durkheim
acerca da sociedade, foi possível levantar alguns aspectos bastante
59
Sociologia da Educação
Unidade 2
signifi cativos para contrapormos a outros que serão mostrados
mais adiante. Até este momento, pudemos perceber que a
sociedade nos molda e que a educação que recebemos tem, entre
seus objetivos, enquadrar-nos ao meio social em que vivemos,
bem como, transmitir nossas experiências coletivas, de geração a
geração.
Parece tudo tão maravilhoso e perfeito, não é mesmo?
Então, será que as muitas críticas feitas a Durkheim
podem ser consideradas irrelevantes?
A questão aqui não é ser relevante, ou não; também não é emitir
juízo de valor; mas, sim, perceber o que há por trás, ou seja, o
que existe oculto nesta dita sociedade capitalista. E, em busca de
tal percepção, questionar-nos sobre a realidade, “pintada” muitas
vezes como perfeita. É imperativo perceber como se enquadram
os sujeitos a esta sociedade, quais os mecanismos utilizados neste
processo de enquadramento e a quem este interessa realmente. É
preciso identifi car quais forças emergem nesse processo em que
muitos são esmagados, massacrados e oprimidos por poucos, em
nome de uma ordem. E ainda perceber que a educação muitas
vezes é constituída em um instrumento de manutenção desta
ordem.
Para buscar respostas a tantas suposições e desconfi anças em
torno da sociedade capitalista, nada melhor do que consultar
as idéias marxistas, uma vez que o principal objeto de estudo
de Marx foi a própria sociedade capitalista, que se fortalecia
crescentemente.
Marx procurou olhar a sua volta e ver muito mais do que se via.
Procurou estudar, pesquisar e entender, criticamente, aquela
realidade que se colocava dura e cruelmente para certos grupos
sociais. Procurou entender o processo histórico em curso, o qual
acentuava as diferenças sociais, como se um fosso cada vez maior
se abrisse no meio da sociedade e empurrasse sempre mais para
cima a burguesia -- enquanto classe dominante e detentora dos
meios de produção; e, os trabalhadores sempre mais para baixo,
por meio da expropriação de seus instrumentos de produção e
de seus conhecimentos, até então transmitidos de geração para
geração.
60
Universidade do Sul de Santa Catarina
Graças às interpretações e aos estudos de Marx e Engels, pode-se
ter consciência de que as mudanças históricas não são resultado
de ações súbitas e espetaculares empreendidas por alguns
indivíduos ou grupos, mas, sim, resultado de longos processos
sociais, econômicos e políticos, os quais derivam, principalmente,
das relações de trabalho e da propriedade dos meios de produção.
O marxismo interpreta os acontecimentos humanos como
resultado de contradições, lutas e confl itos sociopolíticos,
determinados pelas relações de exploração do trabalho de uma
maioria, por uma minoria. A partir das idéias marxistas, pode-se
considerar, sobretudo, que os fatos humanos são historicamente
determinados, o que assegura serem os mesmos estudados,
conhecidos e interpretados de forma racional.
SEÇÃO 2 – Ideologia e a produção do sujeito na
sociedade moderna
Nesta seção, procuraremos compreender o
signifi cado da palavra ideologia em suas diversas
acepções, bem como, o papel desta na produção
da sociedade e do sujeito. Esta palavra é, pode se
dizer, de difícil abordagem objetiva, por possuir
diversas concepções e, com freqüência, levar a
alguma generalidade conceitual.
Pode-se dizer que a defi nição clássica desta
palavra provém das idéias marxistas, mas, para
compreendê-la consoante fez Marx, é preciso
deter-nos, inicialmente, ante outros importantes
aspectos, como a questão da alienação social.
2.1 - Alienação social
Por alienação pode-se entender o fenômeno pelo qual os homens
criam ou produzem algo, dão vida a este algo, na crença de que
ele exista por si mesmo e em si mesmo; sobretudo, deixam-se
governar por ele, não se reconhecem nisto que criaram, tornam
Figura: Karl Marx
61
Sociologia da Educação
Unidade 2
este algo como superior a si próprios e com poder sobre suas
vidas. Um exemplo para esclarecer melhor este fenômeno seria
a formação das religiões. Pensá-lo também ajudaria a entender a
questão relacionada à alienação religiosa. Mas, além das questões
religiosas, Marx estava interessado em compreender como se
dava a alienação social, por que os homens não conseguiam
ver-se enquanto criadores da sociedade, da cultura, da política
e, sobretudo, por que não se viam enquanto agentes históricos
que, em determinadas condições, eram, sim, os criadores de
instituições que formam a sociedade como um todo. Para ele, os
homens não se percebem como sujeitos e agentes, com capacidade
de criar e transformar, mas como seres que se submetem às
condições impostas, como se estas condições tivessem vida
própria.
Para compreender como se dava este fenômeno,
muitas perguntas eram feitas, entre elas a que remetia
à existência da alienação social!
Em seus estudos e pesquisas sobre as sociedades historicamente
construídas, Marx percebeu que estas se formavam,
independentemente do porte ou do modelo, sempre a partir de
uma divisão, e que era a partir desta divisão que se organizavam
todas as relações sociais instituídas. Para ele, a sociedade nasce,
de regra, a partir da estruturação de um conjunto de divisões,
entre elas a divisão sexual do trabalho, a divisão social das
riquezas, da economia, do poder religioso; e considera esta uma
característica sempre presente em qualquer sociedade, por estar
presente, também, em todas as instituições sociais.
Segundo ele, em todas as instituições sociais teremos
sempre uma parte que detém o poder, enquanto
outra é subjugada a este poder, por isso a idéia de
divisão. E é a partir da complexifi cação das divisões
destas instituições sociais que temos a estrutura das
sociedades divididas em classes sociais.
Aspectos como estes eram vistos de forma naturalizada, ou,
muitas vezes, como fruto de algo superior, uma divindade,
de modo que as pessoas até então não se questionavam e,
consequentemente, não se viam enquanto sujeitos históricos. Por
62
Universidade do Sul de Santa Catarina
isso pode-se afi rmar que alienação social é o desconhecimento
das condições histórico-sociais concretas em que se vive, tendo
o homem enquanto construtor destas condições presentes ou
passadas. Segundo Chauí (2002), esta alienação é uma via de
mão dupla que, por um lado, tem o homem enquanto sujeito que
não se percebe como criador da sociedade, e, por outro, o homem
que ignora o fato de que a sociedade criada por ele determina
suas ações e pensamentos. Ela aponta três formas de alienação
social, as quais você pode ler no quadro a seguir.
As três formas da alienação social
1. A alienação social, na qual os humanos não se
reconhecem como produtores das instituições
sociopolíticas e oscilam entre duas atitudes: ou aceitam
passivamente tudo o que existe, por ser tido como natural,
divino ou racional, ou se rebelam individualmente, julgando
que, por sua própria vontade e inteligência, podem mais
do que a realidade que os condiciona. Nos dois casos, a
sociedade é o outro (alienus), algo externo a nós, separado
de nós, diferente de nós e com poder total, ou nenhum
poder sobre nós.
2. A alienação econômica, na qual os produtores não se
reconhecem como produtores nem se reconhecem nos
objetos produzidos por seu trabalho. Em nossas sociedades
modernas, a alienação econômica é dupla.
Em primeiro lugar, os trabalhadores, como classe social,
vendem sua força de trabalho aos proprietários do capital
[...]. Entretanto os trabalhadores não percebem que foram
reduzidos à condição de coisas que produzem coisas; não
percebem que foram desumanizados e coisifi cados.
Em segundo lugar, os trabalhos produzem alimentos
(pelo cultivo da terra e dos animais), objetos de consumo
(pela indústria), instrumentos para a produção de outros
trabalhos (máquinas), condições para a realização de outros
trabalhos (transporte de matérias-primas, de produtos
e de trabalhadores). A mercadoria-trabalhador produz
mercadorias[...].
3. A alienação intelectual, resultante da separação social
entre trabalho material (que produz mercadorias) e trabalho
intelectual (que produz idéias). A divisão social entre as duas
modalidades de trabalho leva a crer que o trabalho material
é uma tarefa que não exige conhecimentos, mas apenas
habilidades manuais, enquanto o trabalho intelectual é
responsável exclusivo pelos conhecimentos. Vivendo numa
63
Sociologia da Educação
Unidade 2
sociedade alienada, os intelectuais também se alienam. Sua
alienação é tripla:
Primeiro, esquecem ou ignoram que suas idéias estão
ligadas às opiniões e pontos de vista da classe a que
pertencem, [...]. Segundo, esquecem ou ignoram que as
idéias são produzidas por eles para explicar a realidade e
passam a crer que elas se encontram gravadas na própria
realidade [...]. Terceiro, esquecendo ou ignorando a origem
social das idéias e seu próprio trabalho para criá-las,
acreditam que as idéias existem em si e por si mesmas,
criam a realidade e a controlam, dirigem e dominam.[...].
(CHAUÍ, Marilena. Convite a Filosofi a. 12.ed. São Paulo: Ática,
2002. p 172-173).
As três formas possíveis de alienação social que você viu
anteriormente são apontadas como causa do surgimento,
implantação e fortalecimento da ideologia. Sendo assim,
também pode concluir que a alienação social se constitui como
uma suposta “teoria de conhecimento espontânea” que forma o
chamado senso comum. Você já parou para pensar o que signifi ca
a palavra senso comum? Ou, para pensar que, no nosso cotidiano,
acabamos utilizando-nos muitas vezes de explicações embasadas
no chamado senso comum para darmos conta de aspectos
políticos, culturais, educacionais... ?
Pois é assim: utilizamos a palavra senso comum
atributivamente, muitas vezes para fazermos alguma crítica a
algo ou a alguém, mas vivemos utilizando-nos do senso comum
para justifi car, também, nossas ações preconceituosas, atitudes
insensatas, ou, até mesmo, para aceitarmos as coisas como elas
são e nos conformarmos com nossas vidas.
Acreditamos que as pessoas são pobres por sua culpa,
seja esta pobreza causada por falta de vontade de
trabalhar, por serem relaxadas, por só quererem vida
boa, por serem inferiores e menos inteligentes, ou, até
mesmo, por vontade divina.
64
Universidade do Sul de Santa Catarina
Vamos parar então e refl etir um pouco acerca deste exemplo. Mas
não vale dizer: Ah, eu não penso assim... Faça um “exame de
consciência” e tente lembrar se, alguma vez, esses pensamentos
já não passaram pela sua cabeça quando se deparou com alguma
situação confl ituosa. Pensou? Então, agora vamos refl etir outro
pouco sobre como estas idéias vão-se construindo e formando o
chamado senso comum.
Pode-se dizer que o senso comum social, muitas
vezes reproduzido de forma indiscriminada e até
descontextualizada é resultado de elaborações
intelectuais da sociedade. Na maioria das vezes, estas
são feitas por médicos, cientistas sociais, fi lósofos,
escritores, sacerdotes, de acordo com o seu ponto
de vista e a classe social a qual pertencem, que
em geral também é a classe dominante política e/
ou economicamente. “Essa elaboração intelectual
incorporada pelo senso comum social é a ideologia.”
(CHAUÍ, 2002, p. 174).
2.2 – Ideologia
Como já havia afi rmado no início desta seção, defi nir a palavra
ideologia não é uma tarefa fácil, uma vez que se pode correr o
risco de abrir um grande vácuo e cair-se em generalizações. De
forma geral, é possível encontrarmos três diferentes signifi cados
para esta palavra. São eles: um signifi cado mais pejorativo,
em que a ideologia é entendida como uma idéia falsa, como
justifi cação de interesses ou de paixões; um signifi cado mais
neutro, em que ideologia seria uma interpretação mais ou menos
coerente de uma realidade social e política; e, por fi m, um
signifi cado mais instrumental, defi nido por razões operacionais
dentro de um determinado contexto.
No Aurélio: Novo Dicionário da Língua Portuguesa, a palavra
ideologia é defi nida como o conjunto de idéias, valores, opiniões,
crenças etc., próprias de um grupo social (classe, partido político,
organização religiosa, etc.), conjunto este desenvolvido em uma
determinada época e que expressa o espírito de uma situação
histórica.
65
Sociologia da Educação
Unidade 2
Mesmo Marx e Engels não fecharam o conceito da palavra
ideologia em uma única idéia. Numa carta de Engels, escrita em
1893, esse aponta para a idéia de “consciência falsa”:
A ideologia, afi rma ele, é, de fato, um processo realizado
conscientemente pelo assim chamado pensador, mas com
uma consciência falsa. As verdadeiras forças motrizes que
impulsionaram esse processo permanecem desconhecidas
para o pensador; de outro modo, tal processo não
seria ideológico. O pensador imagina, portanto,
forças propulsoras falsas ou aparentes. [...] Trabalha
exclusivamente com materiais intelectuais, que aceita de
imediato, como criação do pensamento, sem submetê-los
a outro processo de investigação, [...]. (ENGELS, apud
GADOTTI, 1987, p.104 - 105).
Através de análise um pouco mais ampla desta sua carta, podese
entender que, para Engels, ideologia “é um pensamento
estruturado com uma lógica e um rigor próprios, apresentando-se
como um sistema de idéias ou de representações.” (GADOTTI,
1987, p.105). Tal sistema, que o autor aponta, poderia estruturar
uma religião, um mito, ou até mesmo uma fi losofi a, mas
submetido a leis próprias, independentemente do contexto.
A partir desta análise, ideologia, segundo Marx, é uma
concepção falsa da história, uma expressão idealizada
que representa os interesses de certos grupos com
poder econômico, no intuito de dissimular a história
em benefício próprio. Em conformidade com Marx,
indicar um pensamento como ideológico é como
mostrar uma mentira, uma farsa.
Pouco tempo após esta primeira interpretação, Marx ampliou
o entendimento da palavra ideologia, passando a falar em
“ideologias”, que seriam as idéias das classes sociais dominantes
de que o proletariado deveria libertar-se por meio de uma
construção objetiva e correta da realidade e que expressasse os
interesses do próprio proletariado.
Resgatando e reforçando alguns aspectos da palavra ideologia,
podemos ainda dizer que a função da ideologia consiste em
dissimular e ocultar as divisões sociais e políticas existentes na
66
Universidade do Sul de Santa Catarina
sociedade, de modo a inculcar a idéia de “indivisão social e
diferenças naturais” entre os seres humanos.
Com base nessa discussão, pode-se concluir que a produção
ideológica da ilusão social tem por fi nalidade a aceitação, por
parte das classes sociais, de suas condições de vida como algo
natural, dentro dos padrões de normalidade, sem a mínima
intenção de transformar esta realidade ou sequer reconhecer
como estas “leis” ou esta “ordem” foram criadas. Assim, o
sujeito acaba submetendo-se à realidade que, de certa forma,
é apresentada a ele, sem sequer dar-se conta da sua potencial
capacidade transformadora.
Chegou o momento de efetuar mais um questionamento a você:
Quais são os artifícios utilizados pela ideologia para alcançar
estes aspectos anteriormente descritos?
Bem, pode-se afi rmar que as idéias ideológicas se utilizam de três
procedimentos para obter tais resultados:
! inversão;
! imaginário social;
! silêncio.
Você verá, a partir de agora, como se dá cada um desses
procedimentos na realidade. No caso da inversão, os efeitos são
colocados no lugar das causas, transformando essas últimas em
efeitos. É como diz a própria palavra: há uma inversão de ordem.
Veja a seguir um exemplo bastante elucidativo, para entender o
que se quer dizer aqui.
Esses termos são utilizados por
Marilena Chauí, que entende
os mesmos como: indivisão
– apesar da divisão social
das classes, somos levados a
crer que somos todos iguais
[...] e diferenças naturais
– as desigualdades sociais,
econômicas e políticas não
são produzidas pela divisão
social, mas por diferenças
individuais dos talentos e
das capacidades, [...]. (CHAUÍ,
2002, p.174).
67
Sociologia da Educação
Unidade 2
A profi ssão do magistério era relacionada única e
exclusivamente ao sexo masculino no Brasil, até o início do
século XX. Com a nascente indústria brasileira, o homem
começou a largar profi ssões como o magistério, para
trabalhar em fábricas, as quais pagavam melhor.
Esta atividade, até então, era proibida para as mulheres,
porque se dizia que elas poderiam constituir um risco
às questões morais. Todavia passaram a ser “recrutadas”
posteriormente, para ocupar os postos abandonados pelos
homens.
Para “legitimar” ou “justifi car” a entrada da mulher no
magistério, começou-se a atribuir à função características
femininas, entre elas a questão da maternidade, a doçura
e a paciência. A partir daí, já se afi rmava que a mulher era
uma educadora nata: e quem melhor poderia desempenhar
essa função numa sociedade em transformação? Mais,
ainda: dizia-se que, para a mulher, esta não era uma questão
profi ssional, mas uma questão natural, quase biológica. Se
era natural, não havia necessidade de se remunerar bem
esta função, pois a mesma deveria ser cumprida como uma
dádiva, um compromisso, uma vocação.
Já, por meio do imaginário social, entra em ação a imaginação
reprodutora em que representações, normas e valores explicam
toda a realidade e apontam para a sociedade, para o que ela deve
pensar, falar, e para como deve agir. É como se confi gurassem
padrões no modo de entender a realidade e de se comportar nela,
ou diante dela.
Por fi m, o outro procedimento da ideologia: o silêncio. Aqui
a ideologia silencia questões pertinentes, que se justifi cam em
si mesmas, enquanto interesses diversos de um grupo ou de
determinados grupos vão sendo reproduzidos e implantados em
nossa sociedade até mesmo em forma de lei, muitas vezes.
Para você conhecer um
pouco mais sobre este
exemplo que acabei de dar
aqui, leia o texto: Mulheres
na Sala de Aula, de Guacira
Lopes Louro, in: História
das mulheres no Brasil/
Mary Del Priore (org.).
3.ed. São Paulo: Contexto,
2000.
68
Universidade do Sul de Santa Catarina
[...] a ideologia afi rma que adultério é crime (tanto
assim que homens que matam suas esposas e os
amantes delas são considerados inocentes porque
praticaram um ato em nome da honra), [...]. (CHAUÍ,
2002, p. 175.)
Em relação a isso, afi rma-se que:
[...] nossa sociedade exige a procriação legítima e
legal – a que se realiza pelos laços do casamento
-, porque ela garante, para a classe dominante, a
transmissão do capital aos herdeiros. (Idem).
Desta forma, o adultério é perigoso ao capital e à
transmissão legal das riquezas.
Pode-se dizer, assim, que a ideologia silencia questões como
estas, pois, evidentemente, se declarasse os reais interesses que
existem ocultos, subjacentes, perderia sua força e coerência,
colocando em risco os objetivos encobertos das classes detentoras
do poder.
SEÇÃO 3 – A escola no processo de produção e de
reprodução social
Agora que você já tem uma noção dos usos e signifi cados da
palavra ideologia, podemos dar continuidade aos nossos estudos.
Então lhe pergunto:
69
Sociologia da Educação
Unidade 2
Será que a escola é um forte instrumento na produção
e/ou reprodução da sociedade? Ou então, será que a
escola pode tornar-se neste instrumento de produção,
ou de reprodução da sociedade? Anote a seguir a sua
opinião.
Agora reveja suas respostas, apoiando-se nos estudos a seguir.
Muitas são as teorias sociológicas que apontam para a reprodução
social a partir da educação e do ensino. Não só para a reprodução,
como também para a contribuição na manutenção da dominação
de classes ou do equilíbrio social. Neste sentido, é muito
importante ter presente que a escola contribui para a reprodução
da ordem social, mas também participa de transformações,
de forma intencional ou não; e que, outras vezes, participa de
transformações as quais podem ter origem no seio da escola, ou
independentemente dela. E mais, como diria Petitat:
[...] se trata de uma ordem dinâmica, de grupos, e
de classes em mutação, de técnicas em permanente
renovação e de culturas que se redefi nem periodicamente.
Em dois séculos, o mundo assistiu a prodigiosas
transformações, e contudo ainda nos atemos a teorias
mais ou menos estáticas da escola como agente de
reprodução social. (PETITAT, 1994, p. 11).
Quando se fala em Sociologia da Educação, logo nos vêm à
cabeça idéias referentes ao estudo de relações entre processos
sociais e resultados dos processos educacionais, como, por
exemplo, a relação entre características da economia capitalistas
e a produção de desigualdades sociais via educação escolarizada.
Porém existem áreas, podemos dizer assim, da Sociologia da
70
Universidade do Sul de Santa Catarina
Educação as quais se preocupam com questões que ocorrem nos
menores núcleos sociais, como a sala de aula. Independentemente
da dimensão do que se tome como objeto de análise, pode-se
afi rmar que o tema central desta ciência é estudar, analisar e
conhecer os mecanismos pelos quais a educação escolarizada
contribui para a produção e reprodução de uma sociedade de
classes. Este é o tema central de estudos que, em outros aspectos,
podem ser considerados bastante divergentes.
De uma forma geral, os diferentes estudos em torno desse tema
guardam uma unanimidade: todos afi rmam que a contribuição
específi ca e decisiva da educação para a produção e reprodução
das classes reside na sua capacidade de manipulação e modelagem
das consciências. A construção de sujeitos, se dá de acordo com as
diferentes classes sociais, por meio da transmissão e inculcação de
certas idéias, valores, modos de percepção, estilos de vida, isto de
forma diferenciada e voltada à classe ou ao grupo social ao qual o
indivíduo pertence.
Porém, para além deste tema unifi cador,
necessário ter presente que existem muitas
diferenças conceituais e metodológicas em um
campo tão vasto. De um lado, trabalhos de
cientistas sociais de inclinação marxista, como
os de Althusser, Bowles e Gintis, e Baudelot
e Establet, que percebem a escola enquanto
preparadora das pessoas para ocuparem os diferentes papéis de
trabalho numa divisão social estabelecida de acordo com a classe
econômica. E, por outro lado, estudos como os de Bourdieu
e Passeron, que entendem a divisão social como centralmente
mediada por um processo de reprodução cultural.
Numa outra esfera, pode-se ainda dizer que, em
Sociologia da Educação, temos um grupo que
centra seus estudos nos mecanismos amplos de
reprodução social via escola; e outro, que se preocupa
em descrever as minúcias do funcionamento do
currículo escolar e de seu papel na estruturação das
desigualdades sociais.
71
Sociologia da Educação
Unidade 2
Sobre os estudos de inspiração marxista, podemos dizer que estes
entendem o papel da escola enquanto responsável pela preparação
técnica e subjetiva das diferentes classes sociais para ocuparem
seus devidos lugares naquelas divisões sociais e econômicas em
que a sociedade está organizada. Veja a seguir como cada um dos
cientistas anteriormente citados percebem esta questão:
Em Althusser, isto passa por uma teorização a respeito
do papel do Estado na reprodução das classes sociais,
através do conceito de Aparatos Ideológicos de Estado e
da atribuição de um lugar privilegiado para a instituição
escolar nessa rede de instituições encarregadas de fornecer
as condições ideológicas ideais para o processo de
acumulação capitalista. A escola faz isto especifi camente,
quer preparando tecnicamente uma mão de obra
adequada, quer formando subjetivamente as diferentes
classes sociais, através da inculcação e transmissão
diferenciada da ideologia, isto é, daquelas idéias, valores e
formas de agir apropriadas a cada classe social. [...]
Para Baudelot e Establet, [...] o sistema escolar está
dividido em canais separados e incomunicáveis,
segregados em termos de classe. Esses canais, através
de currículos diferenciados – de um lado, constituído
por um conhecimento de status superior para as classes
dominantes e, de outro, por um conhecimento de segunda
classe para as classes subordinadas – voltam a reproduzir as
mesmas classes sociais existentes na entrada.
O esquema de Bowles e Gintis é praticamente o mesmo
dos anteriores, o que o diferencia é [...] uma declarada
ênfase na experiência resultante de se viver num contexto
como o das relações sociais na escola, em detrimento da
importância da inculcação oral de mensagens ideológicas e
da diferenciação social produzida via conteúdos cognitivos
diferenciados. Há aqui uma ênfase nos aspectos práticos da
ideologia [...]. (SILVA, 1992, p.16-17).
Você acabou de constatar como os cientistas de orientação
marxista viam este processo e o papel da escola na reprodução
social. Agora falta conhecer como Bourdieu e Passeron viam
estes aspectos.
72
Universidade do Sul de Santa Catarina
Para esses dois últimos, diferentemente dos anteriores, a escola
não inculca valores e modos de pensamento dominantes, mas sim
se utiliza do “código de transmissão cultural” já repassado pelas
famílias aos jovens e crianças da classe dominante, e permite
a continuação desses no jogo da cultura, confi rmando assim
a exclusão dos sujeitos provenientes das classes subordinadas.
Dizem ainda que este processo de exclusão não se dá por atos de
imposição visível e brutal, mas devido à incapacidade de alguns
de vencer numa corrida meritocrática, a da carreira escolar, que é
justa e igualitária.
A partir dessas leituras, podemos perceber que o tema central
destes estudiosos da Sociologia da Educação é a reprodução
das desigualdades de uma sociedade de classes. O modo como
teorizam a respeito da estrutura social é distinto, a forma como
vêem o papel da escola também, mas, sobretudo, todos procuram
explicar como se produz e reproduz a estrutura social e qual o
papel da educação nesse processo.
Você já tentou considerar estes aspectos estudados
até agora? Como isso se dá na realidade?
Especifi camente aqui no Brasil: parece-lhe possível
percebermos aspectos como estes no cotidiano
escolar? Você se lembra das escolas profi ssionalizantes
surgidas com força total, principalmente na década de
40, como o SENAI e o SENAC?
A discussão feita até aqui visa justamente a garantir-lhe
embasamento para pensar os objetivos da criação de escolas
como o SENAI, o SENAC, escolas técnicas do período militar
e tantas outras voltadas, na sua maioria, a classes sociais mais
baixas. Tinham como objetivos explícitos ou implícitos preparar
mão de obra qualifi cada para uma demanda que se criara com a
industrialização do Brasil; e escolarizar grupos sociais até então
excluídos, mas fazê-lo de acordo com as ideologias políticas e
econômicas dos governos daqueles períodos.
Para Petitat, em seu trabalho Produção da Escola – Produção da
Sociedade, a escola contribui para a produção social e não somente
para a reprodução social. Segundo ele,
73
Sociologia da Educação
Unidade 2
[...] é ilusório tentar reduzir a gênese das escolas técnicas,
profi ssionalizantes e científi cas, a confl itos sociais
criadores ou a uma lógica de dominação. Encontraremos,
por trás dessas criações escolares, movimentos
urbanos, econômicos, demográfi cos e técnicas gerais
cuja orientação escapa largamente à ação consciente e
deliberada do homem. (PETITAT, 1994, p.7).
A produção do conhecimento aparece, deste modo, como uma
outra característica da escola. Porém seria um grande equívoco
tentar compreender a escola fora do contexto das relações que
esta mantém com os diversos setores da sociedade. Neste sentido,
não se pode descartar que a ação educativa é inseparável de
uma seleção de conteúdos simbólicos e de práticas
pedagógicas que devem ser contextualizadas na
análise do papel produtor ou reprodutor da escola.
Estas seleções de conteúdos ou de práticas são, ao
mesmo tempo, produção da instituição pedagógica,
de uma cultura e de esquemas de comportamento,
e reprodução de relações sociais externas. A
escola seleciona conteúdos e métodos, trata de
uma articulação seletiva de conjuntos culturais e
grupos sociais, e participa assim de sua produção e
reprodução.
Enquanto educadores, devemos ter consciência
de que a escola, além de produzir e reproduzir a sociedade e
os sujeitos, pode tornar-se um instrumento poderoso nas mãos
de certos grupos. Veja, por exemplo, o papel que a escola teve
durante a Era Vargas – 1930 a 1945, e, principalmente, durante o
período conhecido como Estado Novo, dentro da Era Vargas.
Pautada sobre os ideais de civismo e patriotismo, a escola
reproduzia ideologias do grupo político que estava no poder.
Materiais didáticos, datas comemorativas, ações escolares,
tudo era muito bem pensado, a fi m de que formasse um tipo
ideal de homem, um homem brasileiro voltado ao trabalho e às
novas técnicas de trabalho que se queria inserir no Brasil, ainda
pouco industrializado naquele momento. Um homem ordeiro,
trabalhador, patriota, com sentimento de pertencimento a uma
nação. Este é um exemplo bem evidente de como a escola pode
tornar-se um aparelho ideológico em posse dos que detêm o
poder político e econômico.
Figura: Capa de uma cartilha voltada às
crianças
Fonte: CPDOC - FGV
Cartilhas escolares eram
produzidas com Getúlio
Vargas na capa, e, quando
citado no conteúdo, sua
imagem aparecia com uma
auréola, representando-o
quase como um santo, um
ser divino.
74
Universidade do Sul de Santa Catarina
Atividades de auto-avaliação
Após a leitura criteriosa da unidade 2, efetue as atividades de autoavaliação
e, a seguir, acompanhe as respostas e comentários a respeito.
Para melhor aproveitamento do seu estudo, realize a conferência de suas
respostas somente depois de fazer as atividades propostas.
1 – Diante do que você estudou sobre produção e reprodução da
sociedade, responda:
a) Em seu ponto de vista, o homem produz a sociedade ou a sociedade
produz o homem?
b) Desenvolva um texto dissertativo sobre essa questão,
fundamentando a sua resposta a partir das leituras da unidade e
posicionando-se de forma crítica. Se necessário, dê exemplos para
ilustrar a sua resposta.
75
Sociologia da Educação
Unidade 2
2 – Você já havia pensado sobre a multiplicidade de signifi cados que
envolvem os conceitos de ideologia? Diante disso, procure dissertar
sobre o seu entendimento acerca dessa palavra. Aponte a importância
de se estudar um conceito como este, em seu ponto de vista de
educador ou futuro educador.
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Universidade do Sul de Santa Catarina
3 – Você acredita que a escola nos dias atuais possa se tornar um
instrumento ideológico? Por que? Cite um exemplo.
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Sociologia da Educação
Unidade 2
Síntese
As discussões efetuadas nesta unidade procuram estabelecer
alguns norteadores teóricos necessários às leituras acerca de
uma questão bastante polêmica: “Produção e Reprodução da
Sociedade”. Entende-se que, para nós, educadores e sujeitos
sociais, é de fundamental importância um olhar mais apurado,
contextualizado e situado dentro dos diversos entendimentos
acerca deste tema de discussão.
Nesta unidade, o objetivo não foi o de tentar responder às
diversas questões levantadas, mas sim, mostrar a você a
importância de se perceber que estas questões permeiam nossas
relações sociais e que, muitas vezes, não nos damos conta de sua
relevância , ou ainda, muitas vezes acabamos naturalizando-as.
Por isso a importância de entender o que é ideologia e como
ela pode manifestar-se nas mais diversas ações do cotidiano
social e escolar. Não naturalizar ações já é um passo em busca
de respostas a questionamentos signifi cativos a respeito da
transformação social.
Entendo que, ao deparar com questões de certa forma
enigmáticas e polêmicas como A sociedade cria o homem ou o
homem cria a sociedade?, você estará desenvolvendo um exercício
de cidadania importante para o amadurecimento do seu senso
crítico e contestador e, conseqüentemente, estará construindo isto
junto a seus educandos.
78
Universidade do Sul de Santa Catarina
Saiba mais
Se você fi cou interessado(a) em conhecer mais detalhes sobre os
aspectos discutidos nesta unidade, recomendo que consulte:
PETITAT, André. Produção da Escola – Produção da
Sociedade: análise sócio-histórica de alguns momentos decisivos
da evolução escolar no ocidente. Porto Alegre: Artes Médicas,
1994.
SILVA, Tadeu Tomaz da. O que produz e o que reproduz em
educação: ensaios de sociologia da educação. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1992.
Leia o texto a seguir do sociólogo Herbert de Souza (Betinho) e
desenvolva links com o que você estudou nesta unidade.
A educação decidirá a sorte da democracia e do
desenvolvimento
Uma das marcas de nossa história é a convicção
generalizada no pensamento da classe dominante de que a
elite já nasce sabendo e que o resto não precisa saber. Assim
foi e continua a ser a relação do senhor e do escravo, do
latifundiário e do camponês, do empresário e do operário,
da elite e do resto. Por isso, ao longo do tempo, gastos
com educação nunca foram considerados investimentos
produtivos. Por isso, a política do Estado foi sempre de
produzir analfabetos na base, e letrados de elite. Mesmo
quando realiza “gastos”, o faz de forma invertida, entrega
o básico para os municípios sem recurso e investe no nível
superior que, subdesenvolvido, serve a não mais, e se tanto,
que 5% da população.
Qualquer balanço honesto que se faça da educação no
Brasil deve concluir por uma situação de calamidade
pública. Ela tem a ver com uma visão atrasada e autoritária
de desenvolvimento da sociedade. Desenvolvimento sem
inteligência, sociedade somente para poucos. Quando se
79
Sociologia da Educação
Unidade 2
comparar o Brasil com outros países capitalistas, o absurdo
fi ca ainda maior. O Japão, considerado o exemplo moderno
de desenvolvimento capitalista, investe pesadamente em
educação, cerca de 40% do total dos gastos públicos. Nos
Estados Unidos, uma das medidas do seu estado de saúde,
na competição internacional, é a verifi cação do estado da
educação, onde se investe pesadamente.
Qualquer que seja o modelo de desenvolvimento,
independentemente de sua ideologia, ele se fará através
das pessoas e daquilo que elas forem capazes de realizar
a partir de si próprias. Essas capacidades são elaboradas e
transmitidas, socializadas, através da educação. Por isso é
que os gastos com educação são um investimento produtivo
estratégico em qualquer país sério. No mundo moderno
o processo produtivo torna-se cada vez mais sofi sticado,
exigindo trabalhadores capazes de um desempenho
equivalente a todos os níveis. Por mais que a automação
prometa um mundo sem trabalhadores diretos, a verdade
é que o produtor, num sentido genérico é insubstituível.
Num país como o Brasil, onde estamos longe desse nível de
desenvolvimento e onde milhões de pessoas não encontram
lugar e função no processo produtivo formal, fi ca ainda
mais evidente o caráter estratégico da educação para o
desenvolvimento. Não investir na educação é, portanto, uma
opção pelo subdesenvolvimento.
A educação é também um investimento na democratização
da sociedade, na medida em que possibilita a cada
aluno integrar-se no processo social, cultural e político.
Democratizar o conhecimento, a informação é uma forma
de produção social da cidadania. Não investir na educação é
também uma opção pelo atraso e o autoritarismo.
Ao longo das últimas décadas assistimos à realização
perversa dessas opções que transformaram o Brasil num
país rico, habitado por pobres e marginalizados. Na
educação, assim como na saúde, a estratégia foi simples
efi caz. Investir o mínimo possível no sistema público, que
atente às populações de renda baixa. Oferecer todas as
regalias e estímulos ao sistema privado, que atende as elites.
80
Universidade do Sul de Santa Catarina
Se o Brasil continuar seguindo este caminho, com seu
discurso privatista, encontrará o campo aberto para
completar a obra de seu antecessor. Se decidir pelo ensino
público, universal e gratuito terá que abandonar sua crença
neoliberal e investir decididamente num sistema que
agoniza à espera do golpe fi nal ou do balão de oxigênio.
Na educação também estará sendo decidida a sorte do
desenvolvimento e da democracia.
(Herbert de Souza, In: Escritos Indignados – Democracia
X Neoliberalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Rio Fundo
Editora, 1991.).
UNIDADE 3
Brasil: as múltiplas facetas da
sociedade moderna
Objetivos de aprendizagem
! Compreender a escola enquanto um instrumento de
aplicabilidade das políticas governamentais.
! Conhecer o papel histórico da escola no processo
de inclusão e exclusão dos diversos grupos sociais
brasileiros.
! Perceber como a questão do gênero é abordada, a fi m
de possibilitar um outro olhar sobre a construção dos
sujeitos na escola.
Seções de estudo
Seção 1 Escola para incluir ou para excluir?
Seção 2 Educação escolar X educação familiar
Seção 3 Gênero e educação: uma discussão acerca da
inclusão
3
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Universidade do Sul de Santa Catarina
Para início de estudo
Os temas aqui propostos têm como objetivo permitir que você
visualize os diferentes sujeitos excluídos do processo histórico,
percebendo-os como atuantes e transformadores de sua realidade.
Dessa forma, os assuntos enfocados contribuem para que você
possa se perceber como sujeito histórico, crítico, capaz de lutar
pela conquista da sua cidadania.
Para essas abordagens, embasei-me numa linha teórica pautada
na análise das experiências cotidianas dos homens e das mulheres
comuns, enfatizando o seu papel como sujeitos históricos, que
estabelecem relações e que interferem em seu contexto e sofrem
sua interferência.
Assim busco mostrar a você como a escola foi-se transformando,
ao longo da história, em um instrumento a serviço dos poderes
públicos, de acordo com o contexto social em que ela estava
inserida. Você poderá perceber que esta instituição, a qual, hoje,
defende a inclusão tão fortemente, nem sempre foi assim e, em
alguns momentos, mais serviu para excluir do que para incluir.
Aspectos voltados à relação entre educação familiar e educação
escolar também serão trazidos aqui, bem como, a questão do
gênero e suas abordagens atuais nos PCNs e nos currículos
escolares.
SEÇÃO 1 – Escola para incluir ou para excluir?
Nesta seção, iremos discutir o papel que a escola tem
desempenhado na formação dos sujeitos que compõem a
sociedade brasileira ao longo do processo histórico. Ainda,
compreender a escola enquanto alvo de políticas de caráter ora de
exclusão ora de inclusão social.
83
Sociologia da Educação
Unidade 3
Para perceber essas facetas das
políticas educacionais empreendidas
no Brasil, é extremamente necessário,
antes de tudo, contextualizar os
diferentes momentos históricos, mais
especifi camente a partir do processo
de modernização, processo este que,
aos poucos, mudou a cara do País.
Mais do que o próprio processo de
modernização, a intenção aqui é
perceber como as instituições escolares
empreenderam essas ações, e reconhecer os sujeitos envolvidos
neste processo.
E, com certeza, discutir as mudanças que o processo de
modernização brasileiro trouxe para a vida das pessoas comuns
e reconhecer que estas se constituem em sujeitos marcados pela
diferença é possibilitar a percepção de suas ações enquanto
constituintes da sociedade brasileira. Uma vez que partimos do
princípio norteador de que todos os sujeitos têm historicidade
e responsabilidades sobre o processo de construção de uma
sociedade, damos-lhes voz como construtores de sua própria
história.
Quando falo em modernidade no Brasil, refi ro-me ao processo
de transformação do homem brasileiro, da sociedade e,
conseqüentemente, da própria educação, iniciado no fi nal
do século XIX, mas fortalecido, principalmente, a partir da
Abolição da Escravatura e da Proclamação da República, e
consolidado durante as três primeiras décadas do século XX.
Você considera que o processo de modernização
ocorrido no Brasil, no período em questão, trouxe
benefício à sociedade como um todo?
Figura: Escola Caetano de Campos - SP
Fonte:
84
Universidade do Sul de Santa Catarina
Num primeiro momento, a modernização no Brasil
caracterizou-se pela forte identifi cação com a Europa dita
civilizada, mas, a partir dos anos 1920 e 1930, deu-se a busca
pela formação de uma “identidade nacional” e a conseqüente
consolidação do projeto de modernização do país. Naquele
momento, a principal questão a resolver seria a manutenção de
hierarquias sociais, pois, com o fi m da escravidão, as classes
brasileiras consideradas abastadas acreditavam correr o risco de
perderem privilégios e de se misturarem com uma população tida
como inferior.
Sob essa perspectiva, é preciso considerar que o
processo de modernização não trouxe benefício a
todos, como o discurso ofi cialmente construído tenta
estabelecer.
Com esta afi rmação, não tenho a intenção de desqualifi car
o processo de modernização, mas de promover uma refl exão
sobre políticas sociais que transformaram a vida de boa parte da
população brasileira. Neste sentido, muitas pessoas, além de não
terem acesso aos supostos benefícios da modernização, tiveram,
ainda, o rumo da história de suas vidas completamente alterado.
Deve ser ressaltada, ainda, a idéia de que esse processo não se
deu de maneira homogênea em todo o Brasil. Evidenciou-se
com maior força nas capitais dos estados do Rio de Janeiro e de
São Paulo, que, seguindo os ideais de progresso, deveriam ser
transformadas em cidades civilizadas, compostas por espaços
limpos e organizados. Diante dessa realidade, os sujeitos comuns,
ou seja, a população era “examinada”, analisada, estudada e
educada de acordo com os pressupostos médicos e higienistas da
época. Sujeitos com diferentes experiências de vida e diferentes
modos de lidar com as coisas do mundo eram percebidos
praticamente de uma única maneira: como vagabundos,
malandros ou vadios.
Refi ro-me aqui a progresso
como um dos ideais de
inspiração positivista que
infl uenciou fortemente os
políticos brasileiros. Você
já estudou esse aspecto na
unidade 1 deste livro.
85
Sociologia da Educação
Unidade 3
Pessoas das mais variadas origens raciais, sociais e culturais
deveriam ser educadas, civilizadas, higienizadas com a intenção
de se criar um modelo de homem, de mulher, de família, de
trabalhador, de brasileiro que mudasse a cara do País e que
contribuísse no projeto de construção de um Brasil “moderno”.
Objetivava-se, assim, a construção de um tipo ideal de
homem e de sociedade.
Para você ter uma idéia, um discurso bastante comum nesse
contexto considerava a miscigenação do povo brasileiro um
entrave ao futuro da nação, o que conduziu à consolidação das
teorias raciais. E esses que eram ideais científi cos europeus
acabaram sendo incorporados pelos cientistas brasileiros, entre
eles Artur Ramos e Nina Rodrigues. As diferenças raciais e
culturais, assim, foram utilizadas pelos cientistas da época para
explicar os problemas brasileiros, relacionando-as ao atraso
econômico do país. E a tentativa de justifi car as desigualdades
sociais serviu, naquele momento histórico específi co, para
atualizar antigas práticas de dominação; e, principalmente, para
naturalizar a desigualdade social.
Em meio ao processo de abolição da escravatura e de
proclamação da República, foram desenhando-se novos ideais
para a sociedade brasileira. Em nome do progresso, as elites e o
poder público aclamavam o novo, a ruptura com o velho, sem
mesmo desconsiderar a revolução. As palavras de ordem eram
reformar e civilizar a sociedade e o país, o qual era considerado
pelos intelectuais e cientistas brasileiros como inferior e atrasado
em relação à Europa.
Diante destas supostas necessidades postas pelo poder público,
e com o intuito de promover, junto à sociedade, um efeito
normatizador de condutas, passou-se a empreender um
conjunto de esforços para a promoção de reformas sanitárias,
arquitetônicas e pedagógicas. Tais reformas só se tornaram
possíveis a partir do momento em que um grupo de intelectuais/
cientistas entrou em ação. Médicos, engenheiros, advogados
(principalmente criminalistas) e educadores foram os principais
responsáveis pela efetivação dessas práticas. Citados como
86
Universidade do Sul de Santa Catarina
a base de apoio e sustentação do
processo modernizador do homem e
da sociedade brasileira, a cada qual se
atribuíam funções, de acordo com a
área de atuação. Os médicos deveriam
ser responsáveis pelo tratamento físico
e moral do homem brasileiro, visto
por eles como doente, uma vez que
era dado a vícios diversos e hábitos
que deveriam ser controlados e
higienizados. Os engenheiros tinham a
responsabilidade de cuidar dos espaços
públicos, considerados insalubres. A eles competia projetar
e pôr em ação a construção de largas avenidas, o saneamento
e a própria iluminação pública. Já os advogados deveriam
aplicar as leis, conforme os padrões de conduta, principalmente
às camadas populares, defi nindo-as como constituídas de
indivíduos criminosos, perigosos, malandros, etc. E, por fi m, aos
educadores cabiam as tarefas de justifi car, por meio da educação,
a necessidade de tais reformas e de civilizar as populações pobres
e excluídas.
Nesta política de limpeza das cidades, os higienistas sociais
interferiam principalmente na moradia dos pobres, com um
objetivo muito específi co: constituir o espaço privado, para
demarcar e controlar os espaços de circulação dos diferentes
grupos sociais. Sobretudo, das camadas pobres da população,
vistas como sinônimo de classes perigosas. Procurava-se
controlar todos os espaços públicos, a fi m de que esses não
servissem para a proliferação de grupos, os quais podiam pôr
em risco a imagem de um país ordeiro e civilizado que se
tentava criar. A partir desta lógica, os pobres representavam,
principalmente para alguns intelectuais e médicos, um risco à
saúde pública, econômica e cultural de todos e do país. Segundo
o discurso ofi cial desses profi ssionais, os hábitos de moradia
dos pobres eram perigosos à sociedade, uma vez que os espaços
coletivos nos quais viviam eram mal arejados e sujos, portanto
neles poderia ocorrer a proliferação de doenças e de epidemias,
comprometendo o país como um todo e colocando em risco o
projeto modernizador.
Figura: Escravos no Porto – Jean Baptiste Debret
Fonte:
87
Sociologia da Educação
Unidade 3
Com base no que você viu até aqui, já consegue perceber o caráter
excludente de tais políticas públicas? Você consegue perceber a
contemporaneidade desses episódios?
Um outro campo de embates sobre a cidade e seus habitantes
era a presença de mulheres das camadas populares nas ruas das
cidades. Envolvidas nas mais variadas formas de sobrevivência,
como a comercialização de alimentos, lavação de roupas,
produção e comercialização de sabão e prostituição, tais mulheres
não eram bem vistas e aceitas pelos grupos dirigentes.
O que você acha da idéia de trabalhar com seus alunos
aspectos como os discutidos até aqui? E de levá-los
a perceber que a pobreza, as diferenças sociais e,
até mesmo, a violência são frutos de um processo
histórico, marcado pela existência de diferentes
sujeitos e suas ações? E, ainda, que ações como
essas, caracterizadas por intervenções violentas das
autoridades, se constituem, hoje, em algo comum
ao cotidiano dos habitantes dos bairros pobres e das
favelas?
Pois bem, mais do que formular perguntas, é preciso ter
consciência de que as coisas não foram sempre assim e nos
arriscarmos a procurar respostas à produção dessas práticas.
Lembra-se das discussões sobre ideologia e alienação social? Pois
é a partir da aquisição de tais conhecimentos que poderemos
fazer leituras acerca dessas práticas e perceber que elas não
podem ser entendidas como naturais ao ser humano. Temos de
despertar nossos alunos para tal realidade e levá-los a entender
que, um dia, elas foram inventadas por um determinado grupo
de pessoas com poder político e econômico e com objetivos bem
defi nidos, entre eles o de perpetuar o poder nas mãos de poucos.
Isto pode constituir um exercício de cidadania!
88
Universidade do Sul de Santa Catarina
Por falar em exercício da cidadania, você não está
curioso para conhecer qual o papel desempenhado
pela escola durante o processo de modernização do
Brasil? Será que ela colaborou no projeto de formação
de um tipo ideal de homem?
A escola foi transformando-se em local de conhecimento
científi co, principalmente a partir do século XIX, como você já
pôde estudar na seção anterior. Até esse momento, a educação era
caracteristicamente informal e ministrada, sobretudo, no âmbito
familiar. Mas, com o passar do tempo, os “homens de ciência”,
os portadores de um saber científi co, começaram a recusar o
papel que a família desempenhava na educação das crianças.
Julgavam-na incapaz para tal tarefa e viam a escola como a única
efetivamente apta a educar as crianças de modo adequado, sem
vícios ou hábitos.
A partir de 1920, a educação foi mudando. Então, procurava-se
difundir a idéia de que a escola haveria de ser um dos principais
agentes norteadores do espírito modernizante que se almejava
para a sociedade brasileira. A educação das crianças, de todas as
classes sociais, deixou de ser defi nitivamente de responsabilidade
dos pais e passou aos poderes públicos constituídos. Os preceitos
científi cos, mais do que em qualquer outro momento, eram
necessários, a fi m de se resolverem problemas apresentados à
escola, principalmente aqueles relacionados à formação das
crianças provenientes de famílias pobres. Estas eram conhecidas
pelos professores como doentes, anti-sociais e indiferentes à
instrução e representavam um risco à formação do trabalhador
ordeiro e produtivo no futuro.
A indiferença ou “resistência” das crianças à aprendizagem
escolar não era vista pela maioria dos educadores como
conseqüência das difi culdades econômicas ou das diferenças
culturais, mas sim, como sinal da convivência familiar e dos maus
hábitos que deveriam ser apagados.
O que podemos perceber é que características
apontadas como danosas ao projeto social para o
Brasil nunca foram resolvidas e nem poderiam ser,
uma vez que a diferença cultural é um traço intrínseco
à população brasileira. A escola não conseguiu
transferir para a vida cotidiana os hábitos e as atitudes
que procurava ensinar.
89
Sociologia da Educação
Unidade 3
Através das idéias difundidas pelo processo de modernização,
podemos perceber o empenho em administrar as cidades e
a própria sociedade brasileira a partir de critérios técnicos
e científi cos que não contemplavam um dos aspectos mais
importantes dessa mesma sociedade – a diferença.
1.1 Educação e exclusão nos dias atuais
Com base numa suposta racionalidade, como você pôde ver,
as políticas públicas não se voltavam e, muitas vezes, ainda
não se voltam a minimizar as desigualdades sociais, fator que
contribuiu para o não-exercício da cidadania e para a exclusão
de grande parte da população brasileira. E como a escola se porta
atualmente diante desta realidade?
A educação continua excluindo? Como a questão
das diferenças é abordada pelo sistema educacional
brasileiro?
No ano 2000, o Brasil ocupava o quinto lugar
entre os países com maior índice de analfabetos,
de acordo com os dados do Censo do IBGE
daquela data. A pesquisa nos aponta realidades
alarmantes em um mapa de desigualdade
social, educacional e de exclusão nas diferentes
regiões brasileiras. De acordo com esses dados,
a população analfabeta estava distribuída
de forma bastante desigual, com maior
concentração em capitais ou cidades do nordeste
e norte do país. Outros dados relacionam a
questão racial e as desigualdades sociais em
termos educacionais, informando que 35%
dos negros e 33% dos pardos do Brasil eram
analfabetos, contra apenas 15% dos brancos.
Figura: A fome no mundo
Fonte:
90
Universidade do Sul de Santa Catarina
Dados como estes confi rmam tristes características do sistema
educacional brasileiro, a saber, a inefi ciência e o caráter
discriminatório do mesmo. Como alvos dessa realidade estão
negros, mulatos, pobres, nordestinos e mulheres, principalmente
as mulheres negras, que alcançam um índice alarmante de
analfabetismo. Com base no documento intitulado Comunicação
Social de 13 de abril de 2004, publicado no site do IBGE,
podemos perceber que, na atualidade, os dados se tornam ainda
mais alarmantes. Veja a seguir:
Defasagem escolar atinge 84,1% das crianças de 14
anos no Nordeste
A defasagem entre idade e série escolar cresce com a idade:
vai dos 14,4% para as crianças de sete anos, até os 65,7%
para as de 14 anos (Gráfi co 3.8, pg 100). No Nordeste, 84,1%
das crianças de 14 anos estão defasadas, contra 51,8%
do Sudeste. O gráfi co 3.9 traz a defasagem por regiões
metropolitanas.
A média de anos de estudo, por idades, da população
brasileira também expressa a defasagem: é de 0,9 para as
crianças de 8 anos (deveria ser mais de um) e de 7,2 anos
para os jovens de 17 anos, quando deveria ser de 11 anos
(gráfi co 3.11). Chega a 8,2 anos para os jovens entre 20 e 24
anos, e cai para 6,1 na população de 25 anos ou mais. Nesta
última faixa, por quintos de rendimento médio familiar per
capita, ela varia dos 3,4 anos aos 10,3 anos. O gráfi co 3.12
(pg 102) mostra que a distância da média de anos de estudo
entre esses quintos de rendimento permanece grande nas
regiões.
As taxas de escolarização estão acima de 94% entre os
cinco quintos de rendimento familiar per capita, para
pessoas entre 7 e 14 anos, demonstrando a universalização
do ensino fundamental no Brasil (gráfi co 3.6, pg 99).
Mas a relação entre rendimento e escolaridade continua
preponderante: entre os mesmos cinco quintos, a taxa oscila
de 26,8% a 52,4% para crianças de 0 a seis anos, de 73,0%
a 93,3% para adolescentes entre 15 e 17 anos, e de 26,9% a
51,1% para jovens entre 18 e 24 anos.
Os estudantes de famílias pobres difi cilmente chegam
ao ensino superior (gráfi co 3.13, pg 103): na rede pública,
apenas 2,3% dos estudantes provinham de famílias do
primeiro quinto de rendimento médio per capita, enquanto
59,2% provinham do último quinto. Na rede privada, nas
91
Sociologia da Educação
Unidade 3
mesmas faixas de renda, as participações eram de 1,2%
contra 74,0%. Já a rede pública de ensino médio atende
de forma bem menos desigual a todos os quintos de
rendimento familiar, enquanto 61,1% dos estudantes de
ensino médio da rede privada pertencem ao último quinto.
Continua em queda a taxa de analfabetismo entre a
população de 15 anos ou mais: de 17,2% em 1992 para
11,8% em 2002. No mesmo período, na zona rural, a taxa
caiu de 35,8% para 27,7% e na urbana, de 12,4% para 9,1%.
Comunicação Social -13 de abril de 2004.
Fonte:
O que se pode perceber é que a esfera da sociedade mais sofrida
com problemas relacionados à educação, à desigualdade e à
exclusão é de crianças provenientes dos setores mais pobres da
sociedade brasileira. Moram geralmente em condições miseráveis,
seja em áreas rurais, ou em áreas urbanas. Nestas últimas, são
moradoras de favelas onde vivem um cotidiano de violência e
marginalização ou ainda nas ruas, sem as mínimas condições de
vida. Elementos como esses desencadeiam o que se chama de
marginalização cultural e que resulta nas alarmantes taxas de
repetência e de evasão na educação básica.
Sem acesso à educação escolarizada e vivendo na sociedade como
um “marginal cultural”, difi cilmente se terá
acesso aos direitos mínimos de cidadania.
Essa realidade brasileira é ainda mais cruel
com aqueles de origem africana, negros ou
mestiços, que encontram maiores difi culdades
para ingressar no sistema formal de ensino e
para concluir os anos de ensino obrigatório
estabelecido por lei. Além de se confi gurar
historicamente como um dos fatores que
distanciaram as populações de origem
africana do exercício da cidadania, a questão
étnica ainda acaba sendo considerada, muitas
vezes, como um fator de diferenciação entre
os rendimentos salariais dos cidadãos. Veja o que dizem os dados
a seguir.
Figura: A fome no mundo
Fonte:
92
Universidade do Sul de Santa Catarina
Relação entre rendimento e escolaridade é mais direta
para brancos
A média de anos de estudo da população de 10 anos ou
mais de idade mostrou que os brancos possuíam, em
média, mais anos de estudo que pretos e pardos em todas
as regiões do país. Destaca-se a Região Metropolitana de
Salvador, onde se encontraram os maiores diferenciais de
anos de estudo entre brancos e pretos – 2,6 anos – e entre
brancos e pardos – 2,3 anos.
As menores diferenças, da ordem de 1 ano de estudo, foram
encontradas entre brancos e pretos no Rio Grande do Sul, e
entre brancos e pardos no Maranhão, Amazonas e Amapá
(tabela 12.7 e gráfi co 12.4). Para os brancos, as mais elevadas
médias de anos de estudo foram encontradas na Região
Metropolitana de Salvador (9,2%) e no Distrito Federal
(9,1%), seguidos das regiões metropolitanas de São Paulo,
Rio de Janeiro e Belo Horizonte, todas com 8,2 anos.
As informações sobre o número de anos de estudo da
população ocupada associadas aos seus respectivos
rendimentos mostraram que pouco mais de 2 anos de
estudo de vantagem para a população branca resultaram
em quase uma duplicação de seus rendimentos em relação
aos das populações de pretos e pardos. Esta situação foi
verifi cada tanto no Brasil quanto na maioria das unidades
da federação, regiões metropolitanas e grandes regiões,
com exceção da Região Metropolitana de Salvador, onde
a vantagem de 3 anos a mais de estudo para os brancos
aparece associada a rendimento 3 vezes maior que o da
população de pretos e pardos.
Comunicação Social -13 de abril de 2004.
Fonte:
Dados como os colocados anteriormente pela pesquisa do IBGE
só vêm a confi rmar questões históricas. Ao nos reportarmos
ao passado, encontramos informações que apontam para a
inexistência de ações consistentes visando à integração social de
afro-descendentes e de grupos oriundos das classes sociais mais
pobres. A educação, que deveria contribuir para a diminuição das
distâncias entre as classes sociais brasileiras, vem mostrando-se
historicamente como inefi caz nesse processo.
93
Sociologia da Educação
Unidade 3
De fato, isso não é nenhuma novidade, dado que uma das
grandes reivindicações dos mais variados movimentos
sociais do país aclama que um programa amplo e efetivo
no setor educacional é elemento fundamental para a
transformação da sociedade, transformação não vista
apenas a partir de âmbitos meramente econômicos, o
que uma boa escolaridade poderia proporcionar, mas
concebida em seus efeitos na própria cultura política
brasileira, ou seja, no que ela poderia gerar também em
termos de tolerância e respeito à diferença, elementos
fundamentais para uma sociedade multiétnica.
(MORTARI, 2002, p.103).
Uma outra questão para a qual temos que voltar nossos olhares
enquanto educadores e agentes de transformação social é a
exploração do trabalho infantil, uma vez que o Brasil ocupa uma
triste posição no ranking mundial – terceiro lugar. Essa triste
posição só perde para o Haiti e a Guatemala.
No Brasil, em 16,5% das famílias com crianças há, pelo menos,
uma que trabalha
A PNAD de 2002 constatou que havia, no país, 5,4 milhões de
crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhando, ou 12,6%
dos 43,3 milhões de pessoas nessa faixa de idade. Dos ocupados,
280.228 (5,2%) tinham de 5 a 9 anos, 2.708.066 (49,8%) tinham de 10
a 15 anos e 2.450.261 (45,1%), 16 ou 17 anos. Cerca de 42% vivem no
Nordeste.
No Brasil, em 16,5% das famílias com membros de 5 a 17 anos há
pelo menos uma criança ou adolescente que trabalha. Entre as
Grandes Regiões, o maior percentual está no Nordeste (21,6%) e o
menor, no Sudeste (12,1%). Entre os estados, as maiores proporções
estão no Piauí (27,2%), no Tocantins (25,3%) e no Maranhão (24,6%),
e as menores, no Distrito Federal (5,3%) e no Rio de Janeiro (7,0%).
A condição de pobreza é um aspecto que atinge a maior parte
das crianças de 5 a 17 anos de idade ocupadas no país: 23,2%
delas pertencem a famílias do estrato de mais baixa renda (com
rendimento familiar mensal de até ¼ de salário mínimo por pessoa)
e 8,4%, ao estrato de maior renda (mais de 2 salários mínimos por
pessoa). Já entre as crianças não ocupadas, 17,6% estão na faixa de
menor renda e 12,6%, na de maior renda. No Nordeste, 40,1% das
crianças ocupadas pertencem ao estrato de mais baixa renda e 1,6%
ao de mais alta.
Comunicação Social -13 de abril de 2004.
Fonte:
94
Universidade do Sul de Santa Catarina
Pior que os dados apontados é, ainda, a informação de que cerca
de 16% das crianças brasileiras entre 10 e 14 anos trabalham em
condições desumanas.(SILVA, 2000). Muitas trabalham em fábricas
de sapatos, carvoarias, olarias, salinas, pedreiras, carboníferas, etc.,
desempenhando atividades insalubres que não apenas constituem
um risco à saúde, mas podem resultar em mutilações ou doenças
que levam à morte. Atividades na maioria das vezes com baixíssima
remuneração, chegando a valores considerados quase irrisórios e
sem qualquer direito ou registro em carteira, uma vez que têm
status de trabalho ilegal.
O trabalho infantil é extremamente lucrativo
para os contratantes, uma vez que a criança
não é contemplada com qualquer benefício
previdenciário ou trabalhista. Aspectos como estes
acabam aumentando a oferta de trabalho infantil,
o qual, de regra, garante a sobrevivência para as
famílias carentes. E é assim que as crianças são
retiradas das escolas para trabalhar e ajudar na
manutenção da família. O desemprego dos pais, aí,
é fator determinante. Veja os dados a seguir que o
confi rmam.
As crianças que trabalham são responsáveis, em média,
por 15,5% do rendimento familiar
No Brasil, 52,2% das crianças de 5 a 17 anos que trabalham
vivem em famílias cuja pessoa de referência é um
analfabeto funcional, ou seja, com até 3 anos de estudo.
No Nordeste este percentual chega a 75,7% e no Sul, 31%.
Em média, o rendimento das crianças de 10 a 17 anos que
trabalham representa 15,5% do rendimento familiar, mas
essa média pode chegar a até 41,2%, como na área rural da
Região Metropolitana de Recife.
Quando se distribuem as crianças de 10 a 17 que
trabalham por faixas de contribuição do seu rendimento
no rendimento familiar, observa-se que 49,5% delas
contribuem com mais de 10% a 30% do rendimento familiar,
e 4,5% delas, com quase a totalidade (90%) do ganho
mensal da família. Em Roraima, 21,4% das crianças ocupadas
Figura: Trabalho infantil
Fonte:
95
Sociologia da Educação
Unidade 3
contribuem com 90% da renda familiar; no Amazonas são
15,4% e no Distrito Federal, 11,6%.
A maior parte das crianças ocupadas com entre 10 a 17 anos
trabalha em loja, ofi cina ou fábrica (35,2%) ou em fazenda,
sítio ou granja (34,5%), mas 5,1% (cerca de 263 mil crianças)
trabalham em via pública. Esses percentuais são bem mais
altos nas regiões metropolitanas de Salvador (22,9% ou
13,6 mil crianças trabalhando nas ruas), Recife (22% ou 11,2
mil), Belém (17,1% ou 5,6 mil) e Rio de Janeiro (11,7% ou
10,5 mil). No grupo de 10 a 17 anos, 22,8% começaram a
trabalhar com menos de 9 anos de idade. No Nordeste, o
início precoce é de 33,1%, enquanto no Sudeste é de 11,2%.
A Paraíba tem o maior percentual (48,4%).
O trabalho atrapalha o desempenho escolar das crianças.
Na idade escolar (dos 7 aos 17 anos, idade esperada para
a freqüência ao ensino fundamental e médio), 68,6% das
crianças que trabalham estão atrasadas, enquanto, entre
as que não trabalham, o atraso afeta 45,8%. A freqüência à
escola é maior para as crianças de 5 a 17 que não trabalham
(91,7%) do que para as que trabalham (80,5%).
Quanto aos jovens de 15 a 24 anos, observa-se que metade
deles já está ocupando postos no mercado de trabalho.
Destes, 69% trabalham 40 horas ou mais por semana, 37,3%
ganham até 1 salário mínimo e 15,9% não têm rendimento.
O percentual de jovens que apenas estudam vai caindo com
a idade: é de 59,1% para a faixa de 15 a 17, cai para 29,1% na
faixa de 18 e 19 e passa para apenas 11,6% no grupo de 20 a
24 anos.
Comunicação Social -13 de abril de 2004.
Fonte:
Um outro aspecto bastante preocupante no Brasil e que está
diretamente relacionado à inacessibilidade ou evasão escolar é
a prostituição infantil e a exploração de crianças pelo tráfi co de
drogas. A exploração sexual é acentuada em diversas regiões
do país, principalmente nas regiões turísticas do Nordeste e no
Sudeste. E o tráfi co de drogas cresce sem parar, utilizando-se de
adolescentes e crianças como intermediários e consumidores.
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Universidade do Sul de Santa Catarina
Todas as questões até aqui apresentadas são elementos cruciais e
que devem estar presentes nas pautas de discussões de educadores
e de instituições escolares. Faz-se necessário desconstruirmos os
elementos que mascaram a discriminação social e racial no país
e que contribuem para que a educação escolarizada no Brasil
continue a reforçar a desigualdade e a exclusão social. Nós,
educadores e agentes sociais, temos de nos embrenhar numa
luta infi ndável por estratégias que nos auxiliem na superação de
problemas da escola – uma das principais instituições sociais do
país.
SEÇÃO 2 - Educação escolar X educação familiar
O título desta seção sugere uma abordagem entre educação
escolar e educação familiar. Mais que isto, minha proposta é
mostrar a você o que ambas têm em comum e como esta relação
se confi gurou ao longo da história e continua a se confi gurar.
É interessante que se perceba, antes de qualquer estudo, o
principal elo entre ambas: o caráter educacional. Pode-se ainda
afi rmar que, além das duas instituições possuírem um objetivo
comum - a função de conduzir pessoas –, ambas giram em torno
de um mesmo eixo – o educando.
Apesar de todas essas semelhanças e proximidades, percebe-se
que a relação entre estas duas instituições não anda muito bem,
tanto quanto deveria estar. Muitas vezes, temos a impressão de
que ambas mais se parecem rivais do que “companheiras” na
busca por um futuro melhor, ou, pelo menos, que não andam se
ajudando na árdua tarefa em comum – a educação. Você já se
deteve na observação de quantas queixas os pais têm a fazer sobre
a escola em que seus fi lhos estudam? E os professores? O que eles
têm a dizer da cooperação da família na parte que cabe a elas no
processo educacional?
Você compartilha esta impressão?
Será que a relação entre escola e família sempre foi
assim?
97
Sociologia da Educação
Unidade 3
Historicamente pode-se dizer que a escola foi pensada como uma
instituição de apoio à família. “As famílias eram vistas como
necessitadas de auxílio para a educação das crianças porque não
tinham tempo nem competência para tanto.” (CUNHA, 2000,
p.448).
Num período em que as idéias capitalistas andavam a
passos largos e a divisão do trabalho se tornava cada vez
mais característica daquela sociedade, nada mais comum
que a educação das futuras gerações também passasse a ser
responsabilidade de certos grupos de “especialistas”. As
primeiras iniciativas de educação para todos surgiram somente
após a Revolução Francesa, que vislumbrou a escola como local
privilegiado para ampliar e “corrigir” a educação da família, a
qual não estava mais dando conta das demandas da sociedade
em transformação. Desta forma liberava-se a família desta tarefa,
podendo-se dedicar mais tempo aos trabalhos envolvidos.
Aqui no Brasil, com exceção dos fi lhos das elites, os quais
tinham acesso a algumas carreiras especializadas, como médico,
advogado e engenheiros, grande parte da população mal
conseguia chegar ao ensino das primeiras letras. Na maioria das
vezes, acabava recebendo apenas os ensinamentos repassados
pela família, de geração para geração, pelo menos até meados do
século XIX, quando do surgimento das primeiras escolas técnicas
instaladas no Brasil, para atender as necessidades da corte
portuguesa.
Mesmo com a instalação destas escolas de caráter
técnico, na maioria das cidades e vilas espalhadas pelo
país, grande parte do que se aprendia como profi ssão
era ensinado por alguém mais velho, geralmente da
família.
Mas esta característica da educação logo sofreria mudanças, uma
vez que se atribuiria à escola a função de educar os jovens de
acordo com os anseios de uma sociedade moderna. Mais do que
educar, esta teria que formar um tipo ideal de homem de acordo
com as imposições feitas à sociedade que se queria instalar no
Brasil. A escola passaria assim por uma cientifi zação.
98
Universidade do Sul de Santa Catarina
Mudanças na organização familiar e escolar
Até aproximadamente a primeira metade do século XIX, o
modelo familiar que imperou no Brasil esteve vinculado a um
contexto específi co no qual o estabelecimento de uma estrutura
de base agrária, latifundiária e escravocrata
associou-se a vários fatores, como a
descentralização administrativa, a presença
de grandes latifúndios e a dispersão
populacional. Disto resultou uma sociedade
paternalista, caracterizada por relações
de caráter pessoal. A família patriarcal
era assim a base desse sistema, e por essas
características estimulava a dependência na
autoridade paterna.
Assim, pode-se afi rmar que, no Período Colonial, e até
no Imperial, a família patriarcal brasileira era uma família
extensa e singular, pois incorporava ao seu núcleo básico,
além da mulher e dos fi lhos, outros componentes que tinham
relação com o patriarca. Filhos ilegítimos, parentes próximos e
distantes, afi lhados, empregados, agregados e, inclusive, escravos
compunham-na. No entanto não era somente a quantidade
de membros que fazia com que essa família se diferenciasse
da moderna família nuclear da atualidade. A autoridade do
pai, como o próprio nome diz – patriarcal - era absoluta e
quase sempre incontestável. Essa autoridade do patriarca-chefe
procurava preservar a honra e a linhagem familiar, sendo rígida
a hierarquia entre os componentes, tanto que essa organização
familiar também fi cou conhecida como pai soturno, mulher
submissa e fi lhos aterrados.
Figura: O jantar - Jean Baptiste Debret
fonte:
99
Sociologia da Educação
Unidade 3
É necessário, porém, deixar claro que a família
patriarcal era predominantemente formada pela
elite branca, pois somente os que tivessem posses
casavam-se ofi cialmente e, ainda, conforme se
acreditava naquele período, a mulher branca era
essencial no que dizia respeito à garantia da “pureza
de sangue”. Ela era, também, importante quando
gerava fi lhos, pois reforçava a hereditariedade e
a permanência das riquezas na família. Já entre
os brancos pobres, as famílias tinham estruturas
mais simples e um menor número de membros.
Praticamente não havia casamentos ofi ciais, os casais
amancebavam-se, vivendo segundo os padrões da
época: em concubinato.
No decorrer do século XIX, essas características foram
modifi cando-se. As transformações trazidas para cá pela corte
portuguesa não atingiram somente a escola ou primeiramente
esta, mas, diretamente e em primeira ordem, a formação familiar
brasileira existente até então, caracterizada por Jurandir Freire
Costa (1983) como “família colonial”.
O modelo colonial passou a ser gradativamente
substituído pela “família colonizada”, como diz ainda
J. F. Costa: as famílias foram diminuindo em tamanho
por meio do afastamento de escravos e de pessoas com
laços de parentesco mais distantes, até resultar, bem
mais tarde, na família nuclear que conhecemos hoje; os
encontros sociais passaram a ser freqüentes em festas
domésticas, bailes e saraus; os jovens ganharam posição
de destaque, tendo de sofrer um processo de refi namento
físico, intelectual e moral para causar boa impressão à
corte;[...] A vida social desregrada acabou por afastar os
pais dos cuidados com os fi lhos. (CUNHA, 2000, p.
451).
Quero chamar a sua atenção neste momento para as mudanças
que a família brasileira sofreu ao longo do processo histórico. Se
até o início do século XIX, a família brasileira se caracterizava
por possuir grande sociabilidade no interior das moradias e
por ser composta por grande número de agregados, a partir
de meados daquele século ela passou a se caracterizar por um
número cada vez menor de componentes e por ampliar o seu
círculo de sociabilidade para além do âmbito familiar.
100
Universidade do Sul de Santa Catarina
Este modelo familiar também era visto como pernicioso pelos
chamados homens de ciência que, em fi ns do século XIX,
procuravam ajudar os poderes públicos a transformar a cara da
sociedade brasileira, tentando sintonizá-la com o que havia de
mais moderno e consonante com os modismos europeus.
[...] ao abusar da sociabilidade, abria-se
desordenadamente para o mundo, desmedida em sua
submissão às regras da vida social, acabando por cometer
erros semelhantes – descuido com a higiene, a moral e os
bons costumes, particularmente no tocante à educação
dos fi lhos. (CUNHA, 2000, p.452).
Estes dados em conjunto levam à natural constatação de que,
naquela época, a família era vista como uma instituição que
não funcionava bem, sobretudo como incompetente, incapaz e
inapropriada para educar as crianças. Era necessário adaptá-la
aos padrões desejados. As escolas primeiramente atingidas por
este novo ideal foram os internatos, principais responsáveis pela
formação da elite brasileira e que deveriam educar embasados nos
saberes científi cos.
Raul Pompéia, autor da obra O Ateneu, fora
educado numa escola semelhante à que retrata
em sua obra. Pôs fi m a sua vida quando tinha
pouco mais de 30 anos e, de acordo com Cunha
(2000), de certa forma anteviu a falência da
instituição que julgava a família incapaz e
atribuía-se competência para substituí-la.
Bem, você já compreendeu que o modelo de escola existente no
Brasil até a segunda metade do século XIX não atendia mais as
necessidades da sociedade brasileira, a qual passava por mudanças
constantes. A escola, até então caracterizada como excludente
e elitista, precisava transformar-se, a fi m de educar grupos até
então inexistentes ou marginalizados.
O fi m do século XIX foi marcado por movimentos sociais, pelo
surgimento de ideologias e de muitas transformações no âmbito
da produção material e na vida cultural.
Uma obra da literatura
brasileira que retrata bem
esse aspecto de como deveria
ser a vida nos colégios
internos é O Ateneu de
Raul Pompéia. Nela, o autor
consegue mostrar como se
deu o fi m da “velha didática”
e o fortalecimento dos
conceitos morais, científi cos e
educacionais daquele período.
101
Sociologia da Educação
Unidade 3
Como você já pôde ler na seção
anterior, as instituições escolares
foram alvo desta política que
tentava impor essa nova realidade.
“A vaga modernizante que atingiu
praticamente todos os setores da
sociedade brasileira, foi traduzida,
no campo pedagógico, como
introdução sistemática de recursos
técnicos, conceitos e práticas
atestados pela ciência.”(CUNHA,
2000, p. 455).
Neste ínterim, a educação das crianças deixou de ser
responsabilidade da família e passou à alçada dos poderes
públicos instituídos. Importante esclarecer que isto aconteceu,
acentuadamente, no período em que as idéias escolanovistas se
fi zeram presentes no país.
Naquele período, procurava-se mostrar às famílias
serem os educadores profi ssionais que detinham
os conhecimentos científi cos e conheciam a melhor
maneira de conduzir as crianças e os jovens na direção
correta. Desta forma, a escola se colocava mais uma
vez contra a família.
Em 1952, Anísio Teixeira, um dos principais nomes do
escolanovismo, assumiu a direção do Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos. Ironicamente ou não, mais tarde, por
meio dos diversos centros de pesquisa que compunham o INEP,
foram feitos trabalhos que levaram a uma “tomada de consciência
quanto aos descaminhos da escola brasileira, em especial, no que
nos interessa aqui, quanto ao modo como os professores viam as
famílias de seus alunos.” (CUNHA, 2000, p.463).
Por meio de pesquisas as quais utilizavam técnicas da
Antropologia e Sociologia, os cientistas chegaram à conclusão
de que era necessário compreender, antes de tudo, o contexto
social em que o educador estava inserido ao lidar com imigrantes,
famílias do campo e de favelas. Este era um discurso contra a
família, mas, sobretudo, contra a escola.
Figura: Desfi le militar na Era Vargas
Fonte:
102
Universidade do Sul de Santa Catarina
Já, nos anos 60 e 70, entraram em ação as
chamadas teorias de “defi ciência cultural” e
“educação compensatória” que, de certa forma,
retomaram o discurso desqualifi cador analisado
em outros momentos desta seção. Para estas
teorias, as crianças provenientes de famílias
pobres não desenvolvem de forma adequada suas
capacidades cognitivas, o que lhes impediria o bom
desempenho escolar. Neste sentido, a educação préescolar
deveria compensar os supostos défi cits dos
educandos.
Enfi m, retomando a questão inicial: você já consegue
perceber que o confl ito existente entre escola e família
é algo construído historicamente?
Pois bem, relembrando algumas questões: a família
historicamente creditou à escola a responsabilidade de instruir
e educar seus fi lhos, mas, por outro lado, a escola deseja,
atualmente, que os pais assimilem os conhecimentos científi cos e
compreendam o trabalho dos professores.
Assim podemos perceber que os agentes envolvidos nessa questão
vivem numa constante dialética, por uma contínua busca do
conhecimento científi co e pela necessidade de abandonar os
saberes tradicionais. O que está claro é que não existe uma
família como a idealizada pela escola e, por outro lado, não existe
a escola idealizada por pais e educadores. Segundo Cunha,
Na complexidade dos problemas sociais que afl igem
a todos no fi nal deste século, deparamo-nos com uma
situação verdadeiramente caótica: os agentes sociais
tradicionalmente encarregados de normalizar crianças
e jovens a serviço da ordem social – categoria que inclui
não só os professores, mas também juízes, policiais e
outros – começam a elaborar um discurso que “devolve”
às famílias a responsabilidade pela educação. Ao que
parece, os dispositivos do Estado e demais forças vivas
da sociedade reconhecem tristemente que perderam o
controle sobre o processo educacional dentro e fora da
escola. (CUNHA, 2000, p.465).
Figura: Anísio Teixeira
Fonte:
103
Sociologia da Educação
Unidade 3
Assim estas duas instituições vão transformando-se e tentando
manter a tarefa de educar as futuras gerações com base nos erros
e acertos que a história nos mostra.
SEÇÃO 3 – Gênero e educação: uma discussão acerca da
inclusão
Nesta seção, farei uma breve discussão sobre a importância do
gênero na educação. Mais do que uma temática relacionada
à diferença, esta é uma discussão fundamental a práticas
pedagógicas voltadas ao exercício da cidadania.
Na sociedade moderna, as abordagens de gênero vão
caracterizando, cada vez mais comumente, as práticas sociais
e pedagógicas, mas ainda não são sufi cientes para acabar
defi nitivamente com atitudes preconceituosas que ainda se
fazem presentes, muitas vezes, no cotidiano. Os PCNs apontam
para a necessidade de abordagens que discutam a identidade do
gênero com a intenção de que nós educadores não continuemos
a perpetuar padrões comportamentais estereotipados. Para
isso é necessário que, em nossas práticas diárias, não só como
educadores, mas como sujeitos, consigamos perceber atitudes que
possam reforçar preconceitos e exclusão.
Para isso é necessário conhecermos o que se entende por gênero.
Construída historicamente o gênero é uma categoria
que procura desnaturalizar certas práticas da
sociedade, marcadas pela hierarquia, pela relação de
poder e pela classe (SCOTT, 1995).
Joan Scott ainda afi rma que o conceito de gênero serve para
determinar tudo que é social, cultural e historicamente
estabelecido sobre as diferenças percebidas entre os sexos. Assim
sendo, há a preocupação em direcionar a análise da relação de
gênero para a formação e a construção do papel social tanto
do homem quanto da mulher. Como sujeitos históricos, todos
procuramos perceber as relações entre homens e mulheres para
104
Universidade do Sul de Santa Catarina
além das diferenças apenas biológicas. Nesse sentido, o conceito
de gênero é utilizado como instrumento de análise das marcas
históricas atribuídas à masculinidade e à feminilidade e como
mecanismo político contestador da dominação e da opressão
sobre as mulheres.
Muitas das práticas culturais presentes no nosso cotidiano foram
fortemente infl uenciadas pelas sociedades ocidentais capitalistas
que fundaram discursos atribuindo o poder hegemônico ao
homem, principalmente a partir do século XIX, sob o domínio
econômico, social e político da classe burguesa. O resultado desse
comportamento foi que a cultura reinventou e redefi niu padrões
de comportamento, delimitando espaços de atuação diferentes
para homens e mulheres.
Pautados em descobertas científi cas, como
as advindas da Europa de fi ns do século XIX,
principalmente a corrente positivista, os cientistas
e intelectuais da época criaram justifi cativas para
explicar a suposta “inferioridade feminina”.
Uma das idéias que mais vigorava era a de que a mulher possuía
um crânio menor e tinha ossos comparáveis à anatomia de uma
criança, além de possuir menor capacidade de raciocínio que
o homem. A mulher era tida também como sensível, volúvel e
dócil, questões estas embasadas em características biológicas,
como a maternidade. Você se lembra das “desculpas” que foram
criadas para justifi car a entrada das mulheres no magistério?
A mulher vista como um ser inferior possuía condições de
trabalho também inferiores:
A projeção em primeiro plano do homem trabalhador
acaba deixando na sombra, quase invisíveis, as péssimas
condições de trabalho impostas às mulheres. Muitas
vezes, as trabalhadoras nem são reconhecidas como parte
da população economicamente ativa; sua contribuição
social reduz-se ao papel de mantenedora do equilíbrio
doméstico familiar. (PRIORE (Org.), 2000, p. 641).
105
Sociologia da Educação
Unidade 3
Pode-se dizer que, ao longo da história, a mulher vem lutando
para conseguir mais espaço na sociedade. Aqui no Brasil, não
foi diferente. Pesquisas neste sentido indicam que os efeitos e as
conseqüências da discriminação sexual devem ser considerados
dimensões socialmente preocupantes, por alcançarem números
expressivos e continuarem ainda bastante latentes na sociedade
brasileira.
Você já ouviu alguém dizer?
Lugar de mulher é na cozinha...
Ser professora é uma vocação feminina...
Política é coisa de homem...
Frases como estas, muitas vezes pronunciadas e ouvidas
por nós como sem nenhuma maldade, ou até mesmo como
brincadeira, foram historicamente construídas. Fruto de discursos
civilizadores, acabaram perpetuando-se no seio da sociedade
moderna, internalizados e vistos, na maioria das vezes, de forma
naturalizada, carregados, porém de um teor fortemente opressivo
ao gênero feminino.
A partir da década de 1990, especifi camente, a categoria de
análise de gênero passou a infl uenciar os estudos referentes às
relações entre homens e mulheres. Na educação, essa categoria foi
incorporada aos PCNs, no volume sobre os temas transversais,
título de “Pluralidade Cultural e Orientação Sexual”. Com
base na proposta encontrada nos PCNs, o uso do conceito
de gênero ajuda o professor a não naturalizar as condutas do
masculino e do feminino, foco segundo o qual a natureza, e
não os seres humanos, seriam os responsáveis pelas defi nições
de comportamentos. Quando as pessoas tendem a hierarquizar
relações, sob uma perspectiva de superioridade e inferioridade,
proliferam as chamadas injustiças sociais, aumentando as
exclusões.
Inúmeras situações presentes no cotidiano escolar
possibilitam a averiguação e a discussão desses
comportamentos por educadores. Conforme os
PCNs, em alunos e alunas de 1a a 2a série (1o ciclo),
ocorre, nas situações curriculares em geral, uma
106
Universidade do Sul de Santa Catarina
seleção defi nida pelo sexo, que é bastante espontânea, registrando
certo estranhamento entre o universo feminino e o masculino.
Esse momento não implica, necessariamente, desvalorização do
outro, apenas se constitui num movimento que procura construir
a identidade do que signifi ca ser um menino e uma menina
conforme as afi nidades de cada qual. Em alunos e alunas de
3a e 4a série (2o ciclo), percebemos, na maioria das vezes, uma
aproximação entre os colegas, a qual pode ser compreendida
como manifestação e curiosidade decorrentes de diferenças
existentes entre ambos.
Alguns estereótipos atrelados ao signifi cado do ser menino
ou menina estão tão arraigados na nossa cultura, que tendem
a ser naturalizados. Isso pode ser verifi cado na escola onde,
normalmente, os meninos são vistos como mais ágeis e sapecas,
e as meninas como mais sensíveis e interessadas nos estudos.
Tais estereótipos revelam-se em frases como “meninos são
desorganizados por natureza”, enquanto “meninas tendem a
uma organização natural”. Quando atribuímos à natureza algo
que é uma construção do ser humano, estamos tornando ainda
mais difícil a desconstrução de tais conceitos. Na escola, o papel
que professores e professoras desempenham é de fundamental
importância para que não ocorra a perpetuação de preconceitos e
estereótipos.
Deste modo, o conceito de gênero trabalhado no
espaço escolar pode ajudar a desenvolver refl exões
sobre diferenças entre homens e mulheres como uma
construção histórico-cultural. O trabalho com este
conceito pode ajudar a combater na escola a exclusão
ou a resistência na participação de atividades ditas
masculinas ou femininas, bem como, despertar nas
crianças questionamentos acerca das representações
de base hierárquica entre homens e mulheres.
As relações de gênero na escola, conforme Costa (2001),
constituem um desafi o no sentido de conscientizar acerca da
necessidade de uma refl exão mais ampla sobre as relações entre
professor (as) e alunos(as) no cotidiano, procurando superar a
educação sexista e combater o preconceito de sexo.
107
Sociologia da Educação
Unidade 3
Atividades de auto-avaliação
Após ter desenvolvido os estudos desta unidade, realize uma leitura
cuidadosa sobre as questões a seguir, procurando relacionar o que você
estudou e a sua prática. Só após a realização das atividades, você deverá
consultar os comentários e respostas sobre as atividades desenvolvidas,
que se encontram no fi nal deste livro.
1 – Com base no que você estudou nesta unidade, refl ita sobre as
questões a seguir e desenvolva um texto dissertativo, colocando-se de
forma crítica.
a) Qual o papel que a escola tem desempenhado na formação das
crianças e dos jovens atualmente?
108
Universidade do Sul de Santa Catarina
b) Você considera que o respeito às diferenças está incluído na
formação de um cidadão crítico e participativo? Justifi que.
c) Como você pode contribuir enquanto educador(a) e cidadão(ã) no
processo de construção de sujeitos críticos e participativos? Cite um
exemplo de trabalho que pode ser desenvolvido em sala de aula.
109
Sociologia da Educação
Unidade 3
Síntese
Nesta unidade, você estudou alguns aspectos do processo de
modernização ocorrido no Brasil no fi nal do século XIX e no
início do século XX e, ainda, como a escola se inseriu nesse
processo. Pôde percebê-lo como o momento em que se tentou
construir um modelo de homem e de sociedade a partir de
políticas públicas excludentes; e entender o papel desempenhado
pela escola nesse processo.
Um outro aspecto bastante polêmico abordado aqui nesta
unidade foram as relações que se vêm estabelecendo entre escola
e família, desde início do século XIX. Mesmo que ambas tenham
como foco educar as futuras gerações, é possível perceber que, em
diversos momentos da história, estas instituições mais parecem
rivais do que companheiras na tarefa de preparar os jovens para
uma vida adulta com responsabilidades e uma formação sólida.
Finalmente, foi introduzida a questão do gênero, e apontados
alguns aspectos importantes acerca das diferenças e a importância
de se trabalhar com esta categoria. Acredito que a análise
da questão do gênero nos possibilita um novo olhar sobre a
sociedade que nos cerca e sobre a prática pedagógica.
Os temas abordados aqui têm, sobretudo, a intenção de fazêlo(
a) refl etir e posicionar-se criticamente sobre a confi guração
de instituições sociais como a escola e a família; e perceber o
quanto podem ser sutis as formas em que se apresentam em nossa
sociedade a dominação, o poder e a exclusão.
110
Universidade do Sul de Santa Catarina
Saiba mais
Se você fi cou interessado(a) em conhecer mais detalhes sobre os
aspectos discutidos nesta unidade, recomendo que consulte:
Filmes:
Chocolate – 2002
Meninos não choram – 1999
Sonhos tropicais - 1999
Livros e Revistas Acadêmicas:
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder na
cidade de São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1984.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação:
uma perspectiva pós-estruturalista. 4.ed. Petrópolis; Vozes, 1997.
SOIHET, Rachel. Violência simbólica: saberes masculinos e
representações femininas. Revista Estudos Feministas. Ano 5,
1º sem/1997.
Sites
http://www.generoeeducacao.hpg.ig.com.br
http://www.ufrgs.br/faced/geerge/sexual.htm
UNIDADE 4
A educação no século XX rumo
ao XXI: novos caminhos?
Objetivos de aprendizagem
! Identifi car os principais elementos que caracterizam o
discurso e a política neoliberal.
! Perceber os objetivos presentes nas políticas
educacionais empreendidas pelos diversos organismos
internacionais de cooperação e suas relações com a
política neoliberal.
! Compreender o processo de surgimento dos meios de
comunicação de massa e suas relações com os aspectos
educacionais.
! Conhecer alguns dos principais aspectos da
globalização.
Seções de estudo
Seção 1 O neoliberalismo e as políticas educacionais
Seção 2 Comunicação de massa a serviço da educação?
Seção 3 Globalização e educação
4
112
Universidade do Sul de Santa Catarina
Para início de estudo
Nesta última unidade da disciplina Sociologia da Educação,
você irá estudar alguns temas bastante polêmicos e atuais.
Temas que interferem diretamente na educação, seja por meio de
reformas educacionais empreendidas pelos governantes ou pela
sua ação direta no nosso cotidiano.
Conhecer um pouco mais sobre o signifi cado da palavra
neoliberalismo, contextualizar o seu surgimento, a sua política
econômica, bem como, as políticas educacionais empreendidas
por esta teoria econômica é essencial ao entendimento da
sociedade atual. Nossas ações, costumes e hábitos, a escola, a
saúde os serviços públicos, todos vêm sofrendo transformações
relacionadas diretamente à chamada política neoliberal. E não
poderíamos deixar de discutir acerca de tais questões, uma vez
que estas interferem no cotidiano social e escolar.
O surgimento dos meios de comunicação de massa, envolvidos
na efervescência de mudanças que começaram a ocorrer na
segunda metade do século XX, é fundamental ao processo
de disseminação, em larga escala, das idéias de consumo,
característica do mundo capitalista. Deu-se início a uma difusão
de idéias numa escala jamais vista antes... E a escola como fi cou
em meio a isso tudo? E, na atualidade, com a internet, será que
os professores de giz e quadro irão sobreviver? O que fazer para
acompanhar tamanho desenvolvimento? Lanço aqui algumas
questões a serem pensadas.
E a globalização. Vilã? Ou mocinha? Mas, afi nal, o que signifi ca
a tal globalização? Muitas perguntas, não é? Calma! Aqui
você terá alguns subsídios para compreender o que signifi ca
globalização e as conseqüências deste processo para a sociedade e
para a educação.
Curioso(a)? Vamos, então, ao estudo da última unidade da
disciplina Sociologia da Educação.
113
Sociologia da Educação
Unidade 4
SEÇÃO 1 - O neoliberalismo e suas implicações na
educação
Para compreender os efeitos, ou seja, as implicações das políticas
neoliberais na educação, você tem de saber, primeiramente, o
signifi cado desta palavra que muito se ouve aqui e ali, não é
verdade? Então inicio esta unidade com um questionamento para
você:
Você sabe o que é neoliberalismo?
1.1 – Neoliberalismo – defi nição
Pode-se defi nir como neoliberalismo uma prática econômica
que tem por característica rejeitar a intervenção do Estado na
economia, atribuindo total liberdade ao mercado, que se deve
auto-regular, ou seja, o próprio mercado é quem dita as regras e
conduz a produção.
Segundo Friedrich August von Hayek, um dos principais
pensadores das idéias liberais, o mercado deveria funcionar sem
nenhuma restrição e a liberdade econômica deveria ser absoluta.
O Estado não deveria proteger os trabalhadores por meio de
leis trabalhistas, porque o desemprego, para ele, teria uma
função importante – diminuir o poder dos sindicatos e permitir
baixar os salários. Em sua concepção, a desigualdade social
era benéfi ca, pois tinha a função de estimular a concorrência
capitalista. Para ele, o Estado deveria ser utilizado
como instrumento para subjugar os trabalhadores e
favorecer os ricos.
A denominação neoliberalismo se dá devido
à retomada dos fundamentos da antiga teoria
econômica liberal, que esteve em vigor no fi nal do
século XIX e início do século XX e que tornou
possível a expansão do capitalismo pela Europa e
pelo mundo. O neoliberalismo, por sua vez, surgiu
logo após o término da Segunda Guerra Mundial
na Europa e na América do Norte, em locais
Figura: Friedrich August von
Hayek
Fonte: http://nobelprize.org
O austríaco Friedrich
August von Hayek
(1899-1922) era um líder
internacional de um
grupo de intelectuais
da elite liberal. Hayek
é considerado o pai do
neoliberalismo.
114
Universidade do Sul de Santa Catarina
onde o capitalismo imperava. Tornou-se símbolo das políticas
econômicas principalmente a partir da crise do chamado “Welfare
State”, ou seja, Estado do Bem-Estar Social. A partir de 1970, o
mundo começou a passar por uma forte crise, caracterizada por
infl ação galopante e pela estagnação da economia. Em 1973, com
a primeira crise do petróleo, a qual atingiu o ponto mais agudo
em 1979, as idéias neoliberais acabaram colocando um fi m à
tradição da economia mista e do Welfare State em países como os
Estados Unidos e a Grã-Bretanha.
As idéias do liberal radical Von Hayek começaram, então,
a entrar em vigor efetivamente a partir de 1979, quando
Margaret Th atcher ascendeu ao cargo de primeira-ministra da
Grã-Bretanha. Ela começou a colocar em prática uma política
extremamente embasada nas idéias neoliberais, como podemos
ver a seguir:
[...] cortou os gastos sociais, aumentou o desemprego,
derrotou os sindicatos, baixou os impostos dos ricos,
elevou os juros, deu total liberdade ao setor fi nanceiro
e privatizou as empresas estatais de aço, eletricidade,
petróleo, gás e água. (Koshiba, 2000, p.479).
Em outros países que compunham o bloco capitalista na
América do Norte e na Europa, ações como estas também foram
adotadas, por exemplo, nos EUA, com Ronald Reagan, e na
República Federal da Alemanha, com Helmut Kohl. Aliás, Kohl
foi responsável pelo fi m de um dos mais efi cientes modelos de
Estado de Bem-Estar Social do mundo, o alemão.
Em função da crise do Estado de Bem-Estar Social e a política
de valorização do dólar, a qual restabeleceu a hegemonia norteamericana,
1979 é considerado o ano que efetivamente deu início
à era neoliberal e à globalização.
O Welfare State foi um modelo
adotado principalmente pelos
governos de países da Europa
capitalista, para fortalecer a
sociedade que havia sofrido
fortes revezes no período
anterior à guerra e durante
esse confl ito bélico. Leia mais
sobre este modelo no saiba
mais desta unidade.
115
Sociologia da Educação
Unidade 4
1.2 – Neoliberalismo – política econômica
Na visão neoliberal, a atual crise econômica é resultado da
excessiva presença e intervenção do Estado na economia. Para
Hayek, o poder que os sindicatos e os movimentos operários
acabaram conquistando durante a vigência do modelo do Estado
de Bem-Estar Social, corroeu as bases de acumulação capitalista,
uma vez que o Estado teve elevados gastos com os programas
sociais. Segundo Moro (2007),
O remédio, então, era claro: manter o Estado forte sim,
em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no
controle do dinheiro, mas fraco em todos os gastos sociais
e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária
deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Para
isso seria necessária a contenção dos gastos públicos com
o bem-estar e a quebra dos sindicatos. (MORO, 2007).
Disponível em:
A privatização e a liberalização da economia são vistas como as
principais metas neoliberais para o fortalecimento do capitalismo.
Neste sentido, gastos com programas sociais como seguridade
social, construção de moradias, leis do salário mínimo, legislação
a favor dos sindicatos, impostos sobre as importações, controle
dos preços sobre os produtos da cesta básica não possuem
importância e devem ser descartados das políticas embasadas em
idéias neoliberais.
Nesta lógica, o mercado é quem dita as regras e
conduz a produção. O grande problema é que,
sendo o mercado tão poderoso, há benefi ciados e
prejudicados: as nações com grandes mercados se
fortalecem, enquanto as com pequeno volume de
transações econômicas enfraquecem. A produção
passa a girar não em torno das necessidades da
população, e sim, de acordo com as necessidades do
mercado, e problemas como a fome começam a ser
vistos como um mal necessário à ascensão capitalista.
116
Universidade do Sul de Santa Catarina
Cenas como as que vemos diariamente nos meios de
comunicação de massa sobre as milhares de pessoas que morrem
de fome são tratadas com banalidade extrema pelos governantes
dos países capitalistas mais ricos. Neste jogo de perdas e ganhos,
o que importa é o lucro, e não vidas. Exemplo disto são os
grandes produtores de gêneros alimentícios, que, muitas vezes,
acabam destruindo signifi cativas quantidades de alimentos com
a fi nalidade de que se mantenha alto no mercado o preço de seus
produtos. Infelizmente essa é a lógica que os países neoliberais
seguem, já que, sabe-se, esses alimentos poderiam matar a fome
de milhares de pessoas.
Tais ações levam a aumentar o número de excluídos e
as desigualdades sociais.
A política especulativa também faz parte das ações neoliberais.
Sem barreiras, o mercado livre procura investir onde obtiver
lucros maiores, e os países com menos condições de investimento
dependem dos investimentos externos. Esta prática, por
sua vez, pode gerar situações de relativa dependência diante
dos investidores, os quais, quando resolvem retirar seus
investimentos, podem provocar desestruturação e fragilidade
na economia destes países, e abalar-lhes, ainda mais, a estrutura
interna não solidifi cada.
1.3 Neoliberalismo – políticas educacionais
Como você pôde ver anteriormente, é o mercado que regula
as ações sociais, políticas e econômicas nessa nova conjuntura
neoliberal, ou seja, a idéia do Estado de Bem-Estar Social foi
descartada e a idéia de um “estado mínimo” passou a imperar. A
repercussão das idéias neoliberais na educação não haveria de ser
diferente. Considera-se, assim, que a educação se deva sujeitar
às leis do mercado. Neste sentido, cada vez mais a educação
passa a ser considerada como de responsabilidade da sociedade
civil, e não mais como responsabilidade do Estado. “O indivíduo,
livre das amarras da escola e do sistema de ensino, torna-se o
117
Sociologia da Educação
Unidade 4
único responsável pelo seu êxito ou fracasso.” (NORONHA,
2006, p.49).
Dentro do contexto neoliberal, anula-se o princípio
dos direitos sociais, e impõe-se a lógica calcada
na concorrência, uma vez que a sociedade civil é
entendida como mercado.
Para compreendermos o papel da educação dentro desta
nova ordem, é necessário ter presente que aquela passa a ser
redefi nida a partir de um projeto global inserido numa dinâmica
internacional. Como esclarece Gentili (1997),
A construção da política como manipulação do afeto e
do sentimento; a transformação do espaço de discussão
política em estratégias de convencimento publicitário;
a celebração da suposta efi ciência e produtividade
da iniciativa privada em oposição à inefi ciência e ao
desperdício dos serviços públicos; a redefi nição da
cidadania pela qual o agente político se transforma em
agente econômico e o cidadão em consumidor, são todos
elementos centrais importantes do projeto neoliberal
global. (GENTILI, 1997, p. 15).
E foi de acordo com esse “projeto neoliberal global” que se
redefi niu a educação agora voltada aos interesses do mercado.
Nessa lógica em que o Estado passa a ser mínimo, o privado é
colocado como bom, e o público como ruim, sendo esse “rótulo”
imposto a toda e qualquer instituição pública, inclusive à escola.
Os estudantes passam a ser considerados capital humano e a
educação, como um produto a mais no amplo supermercado em
que a sociedade é transformada.
A idéia de consumidor é central dentro desta nova ordem. O
mundo se tornou competitivo economicamente. Assim, os
estudantes -- na realidade os futuros trabalhadores--, deverão
obter as habilidades e disposições para competir de forma
efetiva e efi ciente no mercado de trabalho e atender a demanda
da produção capitalista. Neste contexto, o desemprego não é
visto como conseqüência da falta de oportunidades, mas sim, da
falta de preparação, de habilidades, de qualifi cação do sujeito.
A educação volta-se ao mercado de certa forma. O que conta
118
Universidade do Sul de Santa Catarina
é o potencial de empregabilidade,
remetendo a contínua capacitação.
Esta deve assegurar um perfi l
adequado às exigências de um
mercado altamente volátil e
perverso na incorporação-exclusão
dos trabalhadores no processo de
trabalho. (Noronha, 2006).
Pode-se deduzir deste quadro,
o interesse do mercado pela
educação, mediante o fi nanciamento
de instituições internacionais e organismos multilaterais
como o Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas
para a Educação – UNESCO, o Fundo das Nações Unidas
para a Infância – UNICEF entre outros, que, por meio de
fi nanciamentos concedidos aos países, acabam intervindo nas
estruturas dos sistemas de ensino.
Nesta gama de instituições fi nanceiras envolvidas com
a educação no mundo e, principalmente, na América
Latina, damos destaque ao Banco Mundial enquanto
agência de regulação no contexto do capitalismo
internacional, e que precisa ser vista e entendida
como uma agência de empréstimo, e não como uma
agência de doações.
Desde a sua criação em 1962, este Banco tem-se proposto a
promover o crescimento econômico dos países “conveniados” por
meio de investimento de capital, sendo que os investimentos que
se destacam não são os efetuados na área educacional, apesar
destes estarem incluídos em sua política, mas sim na área de
infra-estrutura.
Figura: Crianças sentadas no chão e sua professora em sala de
aula
Fonte:
119
Sociologia da Educação
Unidade 4
Diversos são os aspectos que caracterizam a política de
empréstimos do Banco Mundial e que é interessante
conhecermos aqui.
Sua política de ! empréstimos não se limita a atender
pedidos, mas, muitas vezes, toma a iniciativa de
estimulá-los;
! Como todo banco, sua política se caracteriza por
emprestar capital e receber juros pelos empréstimos,
geralmente os aplicados pelo mercado;
! Os empréstimos são avalizados, ou seja, garantidos pelos
países devedores;
! Vínculo com o Fundo Monetário Internacional – FMI,
no sentido deste órgão conceder o aval, ou não, ao país a
emprestar recursos.
Além dessas características, existem ainda elementos que devem
ser seguidos rigorosamente na concessão dos empréstimos,
elementos esses que condicionam radicalmente a formulação da
política pública desta organização: a privatização e a redução do
gasto público. Segundo Torres,
A política de privatização requer uma explicação
adicional. As políticas de privatização são importantes
nas reformas orientadas a impulsionar o mercado, e,
portanto, constituem uma preferência de política do
neoliberalismo. Por um lado, mediante a privatização
de empresas do setor público, reduz-se a pressão sobre
o gasto fi scal. Por outro, a privatização constitui um
instrumento apropriado para despolitizar as práticas
regulatórias do estado nas áreas de formação de políticas
públicas. (TORRES, 1996, p. 125).
Minha intenção aqui não é simplesmente atacar instituições
como a que estamos conhecendo um pouco melhor, mas sim,
levá-lo(a) a perceber que, por trás de suas aparentes “políticas
benefi centes”, existe toda uma lógica e uma gama de interesses
econômicos que norteiam as ações de tais organismos, pautadas
pelas leis do mercado e do capital. De uma forma geral, o
Banco Mundial tem impulsionado políticas de democratização
do ensino, apoio à educação da mulher, à educação básica e à
qualidade da educação, porém alguns aspectos precisam ser vistos
120
Universidade do Sul de Santa Catarina
com certo cuidado e de forma crítica, como, por exemplo, o que
diz respeito à composição do Banco Mundial, que é formado
por economistas, e não por educadores. Ao lançarem políticas
de incentivos à educação básica, estão pensando, diretamente,
nos resultados desta política em promover o aumento do produto
interno bruto. Contudo, segundo Coraggio,
[...] se tal argumento na renda presume que o principal
recurso de um país em desenvolvimento é um pool
ou reservatório de trabalhadores baratos e fl exíveis,
produzindo bens e serviços para exportação, o verdadeiro
aumento da renda será realizado não nos países em vias
de desenvolvimento mas pelos consumidores de tais bens
[localizados nos países industrializados]. (GENTILI,
1996 apud CORAGGIO, 1994, p.168).
A preocupação em ampliar a oferta da educação básica a países
com grandes índices de analfabetismo, como Bangladesh, Brasil,
China, Índia, México, entre outros, totalizando os nove mais
populosos do mundo, revela que, na verdade, não existe uma
preocupação por parte desses organismos em universalizar o
ensino público em todos os níveis. Ao oferecer essa ‘cesta básica’
de educação, a intenção é tornar os indivíduos mais efi cientes
na condução e gestão de sua própria pobreza e de controlar os
confl itos sociais.
A intenção não é acabar com a pobreza, mas sim
tornar os pobres mais efi cientes, competitivos e
produtivos.
Assim, o que se pode perceber a partir de uma rápida leitura
dos diversos documentos produzidos por estes organismos
internacionais, é que boa parte das políticas sociais em vigor na
América Latina e em outros países ou continentes considerados
“subdesenvolvidos” foram demandadas a partir da reestruturação
do capital internacional e global.
Documentos como “Transformación productiva com equidad”,
elaborado pela CEPAL em 1990, ou a “Declaração Mundial sobre
Educação para Todos”, fruto da Conferência realizada em Jomtien
– Tailândia 1990 têm, no seu mote, entre outras questões, a
121
Sociologia da Educação
Unidade 4
promoção de reformas educacionais
com a intenção de oferecer e ampliar
os conhecimentos e habilidades
específi cas para que esses países se
ajustem às exigências do mercado
internacional.
Ainda cabe frisar que, num âmbito
mais global, entre as ‘soluções’
neoliberais para a educação tal como
foram aplicadas em diversos países
da América Latina e no Brasil, está a questão da privatização.
Mas não a privatização no sentido de entregar a educação à
iniciativa privada, mas de fazer a educação pública funcionar
tal como o mercado. Dentro desta proposta, a educação deixa
de ser fi nanciada pelo Estado, ao passo que este repassa aos
pais uma determinada quantia para estes últimos escolherem
no mercado a escola que convém a seus fi lhos. Nesta linha de
raciocínio, pressupõe-se tanto “um acesso igualitário ao mercado
(educacional) quanto um consumidor apto a fazer escolhas
‘racionais’”. (GENTILI, 1997, p. 24).
Você vê alguma semelhança dos programas do atual
governo, como bolsa escola ou bolsa família, com esta
política?
Temos, porém, uma realidade um pouco destoante daquela
almejada como ideal por essas políticas, pois, muito mais do
que o livre acesso à educação, questões como a falta dos mais
diversos recursos e de instrumentos de poder acabam por tornar
a educação regulada, produzindo ainda mais desigualdade
educacional e social. Neste contexto, existe uma forte pressão
para que escolas e universidades se voltem para as necessidades
estreitas da indústria e do comércio. E então você pode
perguntar: Mas o que há de errado nisso?
Bem, a questão não aponta para que é o certo ou o errado,
mas para os interesses que se encontram nas entrelinhas
destas políticas, uma vez que não se voltam às necessidades
das pessoas e dos grupos que sofrem com as desigualdades,
mas às necessidades de competitividade e lucro das empresas.
Figura: Crianças na sala de aula durante uma aula
de arte
Fonte:
122
Universidade do Sul de Santa Catarina
Nesse sentido, a educação proposta é a de preparação para o
local de trabalho, e as críticas a estas ações não querem negar a
importância desta preparação, mas sim apontar que, dentro deste
modelo, não são levadas em conta as necessidades e interesses das
pessoas envolvidas, geralmente já marginalizadas ou prejudicadas
pelos modelos atuais.
Para Gentili (1997),
[...] essa redefi nição neoliberal da educação como
treinamento também tende a acentuar as presentes
divisões na medida em que os esquemas propostos serão
aplicados sobretudo às crianças e jovens das classes
subalternas. As classes com poder e recursos continuarão
a lutar por pedagogias e currículos que garantam seu
investimento em capital cultural e sua posição na
estrutura econômica e social. Seja pressionando por
uma pedagogia e currículos centrados no conhecimento
técnico e científi co de alto status – demanda daquelas
frações da classe dominante economicamente orientadas
-, seja pressionando por uma educação centrada nos
aspectos mais culturais, artísticos, literários – demanda
das frações culturalmente orientadas das classes
dominantes [...] É aqui que as duas estratégias neoliberais
centrais – mercantilização e treinamento – convergem
para reforçar as divisões existentes e criar novas
desigualdades. (GENTILI, 1997, p. 25).
De acordo com esses apontamentos, não podemos deixar que, por
meio de políticas públicas guiadas pelo capital, apaguem a nossa
memória e nos ceguem diante dos verdadeiros
interesses das políticas neoliberais. A educação
pode-se tornar nesse contexto um instrumento
estratégico, principalmente porque é uma das
responsáveis pela produção da memória histórica
e dos sujeitos sociais. Deter poder sobre ela é ter
controle sobre a produção de identidades pessoais
e sociais de acordo com os objetivos particulares
dos grupos detentores do capital.
Neste sentido, nós, educadores, precisamos mais
do que nunca assumir nossas responsabilidades
na produção dessa memória histórica e na
produção de sujeitos ativos e transformadores de
sua própria realidade. “Não assumir nosso lugar
123
Sociologia da Educação
Unidade 4
e responsabilidade nesse espaço signifi ca entregá-lo a forças que
certamente irão moldá-lo de acordo com seus próprios objetivos e
esses objetivos podem não ser exatamente os objetivos de justiça,
igualdade e de um futuro melhor para todos.” (GENTILI, 1997,
p. 28-29).
SEÇÃO 2 – Comunicação de massa a serviço da
educação?
No contexto internacional - global de disseminação das idéias e
políticas capitalistas, não podemos deixar de lado o importante
papel desempenhado pelos meios de comunicação de massa.
Vamos conhecer um pouco mais sobre esse fascinante
mundo e sua relação com a educação?
Para você compreender como tudo isso começou, é necessário
voltarmos um pouquinho no tempo, mais exatamente aos anos
40.
Com o término da Segunda Guerra Mundial, o mundo fi cou
dividido em dois blocos: um, caracterizado pelo capitalismo, e
o outro, pelo socialismo, respectivamente representados pelos
Estados Unidos da América (EUA) e pela União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS). Então, a política mundial passa
a girar em torno desses dois países. Este mesmo contexto, no
qual o mundo era dividido entre Oeste e Leste ou Capitalismo
e Socialismo, manteve-se entre os anos do pós-guerra até o
fi nal dos anos 80, quando, no governo de Gorbachev, deu-se a
“abertura democrática” da URSS. Este período é caracterizado
pela disputa política, econômica, tecnológica e, principalmente,
armamentista, que se convencionou chamar de Guerra Fria.
Diante deste contexto, diversos foram os planos econômicos
criados pelos EUA e pela extinta URSS para expandir a sua
infl uência por diversas partes do mundo. Aqui, menciono
somente os norte-americanos, uma vez que este país se tornou
Guerra Fria: tratava-se
de uma disputa pela
hegemonia mundial na
qual o confronto não se
dava diretamente, mas
era mantido pela ameaça
atômica, tornando o
extermínio da humanidade
um perigo constante.
124
Universidade do Sul de Santa Catarina
o símbolo das idéias neoliberais. Entre esses planos, criouse
o Plano Marshall, elaborado pelos EUA para “ajudar
fi nanceiramente” a Europa no pós-guerra, primeiro exemplo de
ajuda econômica que visava barrar o avanço do comunismo.
Esse plano visava a expandir o mercado consumidor dos produtos
industrializados norte-americanos, o que implicou também a
expansão de sua cultura e seu modo de vida, principalmente
devido ao desenvolvimento dos meios de comunicação. Com
esses investimentos, a Europa Ocidental se reconstruiu,
consolidando o poder dos EUA, que puderam manter o ritmo
de sua produção industrial, fortalecendo sua economia e o
capitalismo em nível mundial.
Investimentos em menores proporções também
foram feitos em países capitalistas considerados
“subdesenvolvidos”, com o intuito de incentivar a
indústria nacional, como no caso do Brasil.
Com o grande desenvolvimento industrial de alguns países,
o mundo dividiu-se, do ponto de vista econômico, entre
países essencialmente agrícolas, fornecedores de matériaprima
e alimentos; e países industrializados, exportadores de
produtos manufaturados e tecnologia. No caso da indústria
norte-americana, exportava-se tudo o que era produzido:
eletrodomésticos, automóveis, sabonetes, produtos de beleza,
remédios, tecidos, inseticidas, etc. Para divulgar esses produtos, a
indústria contou com um grande aliado: a televisão.
Com a industrialização, aliada à expansão dos meios de
comunicação desenvolveu-se o consumo de massa. Por
meio de jornais, revistas, programas de rádio, do cinema e,
principalmente, da televisão, procurava-se divulgar o modo de
vida norte-americano como sinônimo de modernidade e padrão
a ser seguido pelos países do mundo capitalista. A televisão
difundiu-se por grande parte do mundo ocidental, na década de
60, conciliando a praticidade entre imagem e som. Foi utilizada
em diversos fi ns, tais como, informar, entreter, difundir idéias,
modas, comportamentos e formas de pensar. E, nesse sentido,
os meios de comunicação de massa, ou como denomina Franco
Cambi (1999) a mass media, passaram a desempenhar um papel
fundamental na sociedade moderna, principalmente aquelas
orientadas pelas idéias capitalistas.
Plano colocado em ação pelos
EUA, a partir de 1947, com
o objetivo de reestruturar
a economia européia,
disponibilizando através
dessa iniciativa uma quantia
aproximada de 3 bilhões de
dólares.
125
Sociologia da Educação
Unidade 4
Observa-se que, a partir do advento da indústria
cultural e da ampla difusão dos meios de comunicação
de massa, produziu-se uma revolução educacional,
uma das mais signifi cativas dos tempos modernos.
Os meios de comunicação passaram a ocupar um lugar
importante na formação dos comportamentos coletivos,
infl uenciando diretamente a consciência individual. Mitos
e visões de mundo foram produzidos através desses meios,
sustentando a fantasia das massas e alterando diretamente os
comportamentos estabelecidos até então.
Os mais diversos agentes envolvidos nessa
nova categoria midiática desempenharam
a função de educadores no processo de
massifi cação, agindo desde a infância
do espectador e impondo sua marca na
consciência coletiva. A construção do
imaginário infantil deixou de passar,
obrigatoriamente, como até então,
pelo mundo familiar ou cultural local,
para se formar a partir do mundo sem
fronteiras exibido pela televisão. O fato
de permanecerem durante horas em frente da TV acabou
infl uenciando a personalidade de crianças, jovens e adultos.
Diante disso, é perceptível o interesse de controle dos meios de
comunicação de massa.
Criou-se, assim, uma indústria regulada pelos
interesses do mercado e de acordo com as leis da
oferta e procura. Na década de 50 e 60, agências
americanas de notícias monopolizavam as
informações, procurando incutir naqueles que ainda
não tinham aderido ao modo de vida americano, a
idéia de atraso cultural. Divulgava-se a imagem do
mundo capitalista enquanto mundo livre e como
sinônimo de modernidade, que se opunha ao mundo
da cortina de ferro, que representava o atraso político
do regime socialista.
126
Universidade do Sul de Santa Catarina
A partir dos anos 80, dentre as conquistas
tecnológicas destacam-se os transportes
ultra-rápidos, a automação, a comunicação
eletrônica. “Aviões, rádio, televisão, fax,
satélites e a rede cada vez mais expandida
da Internet subvertem o espaço e o tempo
do homem contemporâneo, aproximando
os povos e alterando a maneira de pensar e
trabalhar.” (ARANHA, 2001, p.234).
Mas, ao mesmo tempo que todo esse avanço tecnológico pode
trazer muitas vantagens para a educação e sociedades modernas,
pode também trazer prejuízos à vida real que, muitas vezes, é
transformada num show permanente. A utilização, em larga
escala, dos recursos audiovisuais, nos bombardeia o tempo
todo. Os recursos audiovisuais se tornam muito mais atraentes
do que o signo verbal ou escrito, criando-se muitas vezes um
entrave à educação. Esta, por sua vez, ainda está bastante calcada
numa cultura oral e escrita. Assim, mesmo que o livro e meios
impressos continuem constituindo os pilares da escolarização,
não temos como negar a concorrência muitas vezes desleal da
mídia.
Diante dessa realidade, não há como lutar contra esta tendência,
que se fortalece a cada geração; o que temos de fazer enquanto
educadores é incorporar tais técnicas, e promover a capacidade de
uma leitura crítica das imagens e informações veiculadas.
Na sociedade informatizada atual, mais do que nos apropriarmos
de tais tecnologias, temos de estar atentos ao acesso, seleção e
controle dos dados aí divulgados. Sobretudo, temos que nos
apropriar destes novos instrumentos tecnológicos com o objetivo
de promover transformações estruturais no tradicional modelo de
escola que ainda se perpetua.
127
Sociologia da Educação
Unidade 4
SEÇÃO 3 – Globalização e educação
Nesta seção, proponho-me a fazer uma breve discussão sobre
Globalização. Esta é uma palavra que passou a ser muito citada
hoje em dia, em conversas formais ou informais, na televisão, nas
escolas, nas ruas, nas empresas... Mas eu lhe pergunto:
Você sabe o que é globalização? Escreva nas linhas a
seguir a primeira idéia que lhe ocorre a respeito:
Agora que você já colocou brevemente o que entende por
globalização, passo à discussão do tema.
Uma das idéias mais recorrentes sobre globalização é a que
identifi ca esse fenômeno com as possibilidades concretas de
unifi cação do planeta. Também pode ser entendida como
uma forma de eliminar as diferenças entre países e culturas,
transformando o mundo em uma imensa “aldeia global”. Ou,
ainda, como a forma de expansão da hegemonia do sistema
econômico capitalista e dos países detentores do poder em
detrimento da manutenção da qualidade de vida para todas as
pessoas do mundo. (PIANA, 2002).
Globalização pode ser considerada como
um elemento central para se esclarecer o
desenvolvimento do neoliberalismo.
128
Universidade do Sul de Santa Catarina
A globalização é um fenômeno que se encontra nas bases
das transformações do capitalismo e que possibilitou alterar
defi nitivamente o capitalismo de pequenos proprietários
para a atual confi guração. Neste sentido, pode-se dizer
que a globalização econômica corresponde a uma
reestruturação da economia em escala planetária,
atingindo a ciência, a tecnologia, a cultura e,
principalmente, a divisão internacional do trabalho.
Como efeito mais direto da globalização da
economia, percebe-se a fragmentação da produção
em escala planetária. Graças aos avanços dos
meios de transporte e das tecnologias de comunicação,
ocorreu a transferência da produção para as áreas do globo
em que a mão de obra é mais barata, melhor treinada, onde
há incentivos políticos, acesso a uma melhor infra-estrutura e
recursos nacionais abundantes, bem como, mercado e incentivo
impositivo.
Atendendo a esta nova face da economia global, mais
fl uída e fl exível, o sistema educacional que antes se
voltava à produção de sujeitos disciplinados, bem
treinados e confi áveis, agora forma trabalhadores com
grande capacidade de aprender a aprender, capazes
de trabalhar em equipe, de forma disciplinada, mas,
sobretudo, criativos.
A educação, no entender dos diversos organismos internacionais
já citados na seção 1 desta unidade, é o trunfo que possibilitará
a paz, a liberdade e a justiça social. De acordo com esta
perspectiva, além de elevar os índices de alfabetização, a escola,
na atual sociedade, tem a função de incentivar o desenvolvimento
econômico e social. A educação se deve dar ao longo de toda a
vida, de modo a adaptar o indivíduo às mudanças profi ssionais,
bem como contribuir para a sua contínua construção como ser
humano. Ou seja, deve assegurar suporte que possibilite ao
homem “desempenhar o papel social que lhe cabe enquanto
trabalhador e cidadão.” (Relatório UNESCO, 1999, p.18).
129
Sociologia da Educação
Unidade 4
Nessa perspectiva, os atributos a serem desenvolvidos
pela educação na atual sociedade globalizada são
a fl exibilidade, a diversidade e a acessibilidade,
conciliadas à competição, à cooperação e à
solidariedade.
Desde o início dos anos 90, o Banco Mundial tem como
umas das temáticas políticas para o mundo e para o Brasil, em
termos educacionais, a adequação dos processos educativos na
perspectiva produtivista, difundida no interior do ideário da
globalização, e na atual ordem capitalista. Atendendo a esta
lógica, o incentivo de tais organismos recai sobre a educação
básica e profi ssional de nível técnico. De outro lado, ainda
prevalece sobre o ensino superior o discurso de que apenas os
países “desenvolvidos” têm capacidade para o desenvolvimento
de tecnologias de ponta, transformando-nos em meros
consumidores de tais tecnologias. Neste sentido, o processo
de globalização pode ser visto como um novo colonialismo
econômico para os países que tentam se adequar
a esta realidade.
A globalização pode e deve ser entendida
também de forma positiva, como possibilidade
potencial de romper com as barreiras geográfi cas,
de transpor as barreiras culturais de intolerância,
de discriminação, permitindo o surgimento
de consensos globais em torno de valores
universalizáveis como as questões ecológicas e os
direitos humanos. (PIANA, 2002).
Para Milton Santos, o fenômeno da globalização
pode ser visto também enquanto uma possibilidade
humana.
Desta forma, a globalização é vista como fenômeno possível
de disseminar a união entre diferenças étnicas e culturais,
aproximando pessoas, enriquecendo as relações por meio do
conhecimento e da troca de experiências entre pessoas de
diferentes partes do mundo.
130
Universidade do Sul de Santa Catarina
Se entendermos a globalização a partir de uma dimensão
cultural-cooperativa, poderemos visualizar algumas alternativas
para pensá-la a partir de uma outra lógica. Uma lógica
alternativa, solidária, cooperativa, que valoriza a diversidade
em contraposição à homogeneização - característica da
globalização econômica - pois reconhece, em cada cultura, em
cada grupo social, em cada indivíduo, uma singularidade, uma
subjetividade que pode se concretizar e se enriquecer por meio do
estabelecimento de relações solidárias.
Atividades de auto-avaliação
Após ter desenvolvido os estudos desta unidade, realize uma leitura
cuidadosa sobre as questões a seguir, procurando desenvolver sempre
uma relação entre o que você estudou e a sua prática. Só após a realização
das atividades, você deverá consultar os comentários e respostas sobre as
atividades desenvolvidas, que se encontram no fi nal deste livro.
1. Como educador(a) e/ou como cidadão(ã), você consegue perceber
os aspectos norteadores da política neoliberal, seja na escola em que
trabalha, ou na comunidade em que vive, ou mesmo no seu dia-a-dia?
Disserte sobre os mesmos. Considere os conteúdos apontados nesta
unidade.
131
Sociologia da Educação
Unidade 4
2. A partir do estudo desta unidade, você pôde observar que a
globalização não tem um conceito único, no entanto é um tema que
está constantemente presente no seu dia-a-dia. Liste nas linhas a seguir
aspectos do seu cotidiano os quais expressem ações que podem ser
consideradas como conseqüência da globalização.
132
Universidade do Sul de Santa Catarina
Síntese
Nesta última unidade do livro Sociologia da Educação, você
pôde conhecer um pouco mais sobre as diversas questões que
caracterizam a política neoliberal no mundo e no Brasil, bem
como os seus efeitos sobre a política econômica mundial e a
educação.
Foi feita uma rápida discussão sobre o surgimento dos meios de
comunicação de massa e a sua importância para a transformação
do mundo pós Segunda Guerra Mundial.
E, por último, foram estudados alguns aspectos fundamentais
ao entendimento do fenômeno da globalização, vista enquanto
um processo econômico e cultural que tem alterado o cenário
econômico, político, social e educacional dos séculos XX e XXI.
Sobretudo, é importante perceber que os três temas abordados
têm natureza bastante abrangente e não se esgotam nas
discussões aqui realizadas. É bom lembrar também ser
extremamente difícil delimitar aspectos que expliquem cada um
destes, uma vez que se encontram fortemente imbricados no
processo da pós-modernidade. Por isso, toda e qualquer leitura
adicional que você tenha possibilidade de realizar nunca será
demais para complementar o estudo destes aspectos e a sua
constante atualização.
133
Sociologia da Educação
Unidade 4
Saiba mais
Leia a seguir fragmentos de um interessante texto que esclarece
o conceito de Estado de Bem-Estar Social citado no início desta
unidade.
O Estado de Bem-Estar Social ao Estado Neoliberal
O estado de bem-estar social representa um pacto social
entre o trabalho e o capital, que remonta às reorganizações
institucionais do capitalismo do início do século na
Europa, especialmente nas origens da social-democracia
européia, com as expressões mais vigorosas nas socialdemocracias
escandinavas. Mais recentemente, o New Deal,
concebido por Roosevelt nos Estados Unidos, constituiu
uma formação de governo na qual os cidadãos podem
aspirar a níveis mínimos de bem-estar social, incluindo
educação, saúde, seguridade social, salário e moradia, como
um direito de cidadão, não como caridade (Wilensky,
1975 e 1976; Popkewitz, 1991). Outro aspecto central é
que o modelo opera com noções de pleno uso em uma
economia de corte keynesiano. Por diferentes razões, entre
as quais estão o caráter populista de algumas experiências
e a presença de uma distribuição de renda extremamente
desigual na América Latina, as formações estatais com
forte intervencionismo na sociedade civil têm pontos de
contato com o modelo do estado de bem estar social, mas
também contam com grandes divergências, especialmente
a falta de um seguro-desemprego institucionalizado. Este
estado, que desempenhou um papel muito importante como
modernizador da sociedade e da cultura, é também um
estado que exerceu atividades protecionistas na economia,
apóia o crescimento do mercado interno e a substituição de
importações como aspecto central do modelo de articulação
entre o estado e sociedade.
É importante salientar que a expansão e diversifi cação
da educação se deu sob estados equivalentes aos estados
de bem-estar social, estados intervencionistas que
134
Universidade do Sul de Santa Catarina
consideraram o gasto em educação como um investimento,
que expandiram as instituições educacionais (chegando
inclusive à massifi cação da matrícula) e que expandiram
enormemente os argumentos para a educação, assim como a
contratação de professores. O papel e a função da educação
pública foram expandidos, ainda que seguindo as premissas
estatais do passado. Na medida em que a educação pública
postulava a criação de um sujeito pedagógico disciplinado, o
papel, a missão, a ideologia e o treinamento dos professores,
assim como as noções fundamentais do currículo escolar
e do conhecimento ofi cial, forma todos profundamente
marcados pela fi losofi a predominante no estado, isto é,
uma fi losofi a liberal, ainda que paradoxalmente estatizante
(PUIGGRÓS, 1990 e 1992).
(GENTILI, Pablo (org.) Pedagogia da Exclusão: crítica ao
neoliberalismo em educação. Petrópoles, RJ: Vozes, 1996).
A educação neoliberal
Do ponto de vista liberal, a educação ocupa um lugar
central na sociedade e, por isso, precisa ser incentivada. De
acordo com o Banco Mundial, são duas as tarefas relevantes
ao capital que estão colocadas para a educação: a) ampliar
o mercado consumidor, apostando na educação como
geradora de trabalho, consumo e cidadania (incluir mais
pessoas como consumidoras); b) gerar estabilidade política
nos países com a subordinação dos processos educativos
aos interesses da reprodução das relações sociais capitalistas
(garantir governabilidade).
Para quem duvida da priorização da educação nos países
pobres, observe o seguinte trecho do vice-presidente do
Banco Mundial: “Para nós, não há maior prioridade na
América Latina do que a educação: entre 1987 e 1992
Para conhecer um pouco mais sobre as conseqüências da política
neoliberal na educação, leia o fragmento a seguir extraído do
artigo de Antônio Inácio Andrioli.
135
Sociologia da Educação
Unidade 4
nosso programa anual de empréstimos para a educação
na América Latina e o Caribe aumentou de 85 para 780
milhões de dólares, e antecipamos outro aumento para 1000
milhões em 1994”. Porém, não vamos nos iludir pensando
que a grande tarefa dos mecanismos internacionais a serviço
do capital é fi nanciar a educação. Conforme análise de
Sérgio Haddad, o principal meio de intervenção é a pressão
sobre países devedores e a imposição de suas “assessorias”:
“A contribuição mais importante do Banco Mundial deve
ser seu trabalho de assessoria, concebido para ajudar os
governos a desenvolver políticas educativas adequadas às
especifi cidades de seus países. (...) O Banco Mundial é a
principal fonte de assessoramento da política educativa, e
outras agências seguem cada vez mais sua liderança”.
É evidente que a preocupação do capital não é gratuita.
Existe uma coerência do discurso liberal sobre a
educação no sentido de entendê-la como “defi nidora
da competitividade entre as nações” e por se constituir
numa condição de empregabilidade em períodos de crise
econômica. Como para os liberais está dado o fato de que
todos não conseguirão “vencer”, importa então impregnar a
cultura do povo com a ideologia da competição e valorizar
os poucos que conseguem se adaptar à lógica excludente,
o que é considerado um “incentivo à livre iniciativa e ao
desenvolvimento da criatividade”. Mas, e o que fazer com
os “perdedores”? Conforme o Prof. Roberto Lehrer (UFRJ),
o próprio Banco Mundial tem declarado explicitamente
que “as pessoas pobres precisam ser ajudadas, senão fi carão
zangadas”. Essa interpretação é precisa com o que o próprio
Banco tem apresentado ofi cialmente como preocupação
nos países pobres: “a pobreza urbana será o problema mais
importante e mais explosivo do próximo século do ponto de
vista político”.
Os refl exos diretos esperados pelo grande capital a partir
de sua intervenção nas políticas educacionais dos países
pobres, em linhas gerais, são os seguintes: a) garantir
governabilidade (condições para o desenvolvimento dos
negócios) e segurança nos países “perdedores”; b) quebrar
136
Universidade do Sul de Santa Catarina
a inércia que mantém o atraso nos países do chamado
“Terceiro Mundo”; c) construir um caráter internacionalista
das políticas públicas com a ação direta e o controle dos
Estados Unidos; d) estabelecer um corte signifi cativo na
produção do conhecimento nesses países; e) incentivar a
exclusão de disciplinas científi cas, priorizando o ensino
elementar e profi ssionalizante.
Mas, é evidente que parte do resultado esperado por
parte de quem encaminha as políticas educacionais de
forma global fi ca frustrada por que sua efi cácia depende
muito da aceitação ou não de lideranças políticas locais
e, principalmente, dos educadores. A interferência de
oposições locais ao projeto neoliberal na educação é o que
de mais decisivo se possui na atual conjuntura em termos de
resistência e, se a crítica for consistente, este será um passo
signifi cativo em direção à construção de um outro rumo,
apesar do “massacre ideológico” a que os trabalhadores têm
sido submetidos durante a última década.
Em função dessa conjuntura política desfavorável, podemos
afi rmar que, em termos genéricos, as maiores alterações que
ultimamente têm sido previstas estão chegando às escolas
e, muitas vezes, têm sido aceitas sem maiores discussões a
seu respeito, impedindo uma efetiva contraposição. Por isso,
vamos apresentar, em grandes eixos, o que mais claramente
podemos apontar como conseqüências do neoliberalismo na
educação:
Menos recursos, po 1. r dois motivos principais: a)
diminuição da arrecadação (através de isenções,
incentivos, sonegação...); b) não aplicação dos
recursos e descumprimento de leis;
2. Prioridade no Ensino Fundamental, como
responsabilidade dos Estados e Municípios (a
Educação Infantil é delegada aos municípios);
3. O rápido e barato é apresentado como critério de
efi ciência;
137
Sociologia da Educação
Unidade 4
4. Formação menos abrangente e mais
profi ssionalizante;
5. A maior marca da subordinação profi ssionalizante é
a reforma do ensino médio e profi ssionalizante;
6. Privatização do ensino;
7. Municipalização e “escolarização” do ensino, com
o Estado repassando adiante sua responsabilidade
(os custos são repassados às prefeituras e às próprias
escolas);
8. Aceleração da aprovação para desocupar vagas,
tendo o agravante da menor qualidade;
9. Aumento de matrículas, como jogo de marketing
(são feitas apenas mais inscrições, pois não há
estrutura efetiva para novas vagas);
10. A sociedade civil deve adotar os “órfãos” do Estado
(por exemplo, o programa “Amigos da Escola”).
Se as pessoas não tiverem acesso à escola, a culpa
é colocada na sociedade que “não se organizou”,
isentando, assim, o governo de sua responsabilidade
com a educação;
11. O Ensino Médio dividido entre educação regular e
profi ssionalizante, com a tendência de priorizar este
último: “mais ‘mão-de-obra’ e menos consciência
crítica”;
12. A autonomia é apenas administrativa. As
avaliações, livros didáticos, currículos, programas,
conteúdos, cursos de formação, critérios de
“controle” e fi scalização, continuam dirigidos
e centralizados. Mas, no que se refere à parte
fi nanceira (como infra-estrutura, merenda,
transporte), passa a ser descentralizada;
138
Universidade do Sul de Santa Catarina
Produtividade e efi ciência e 13. mpresarial (máximo
resultado com o menor custo): não interessa o
conhecimento crítico;
14. Nova linguagem, com a utilização de termos
neoliberais na educação;
15. Modismo da qualidade total (no estilo das empresas
privadas) na escola pública, a partir de 1980;
16. Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais)
são ambíguos (possuem 2 visões contraditórias),
pois se, por um lado, aparece uma preocupação
com as questões sociais, com a presença dos
temas transversais como proposta pedagógica
e a participação de intelectuais progressistas,
por outro, há todo um caráter de adequação ao
sistema de qualidade total e a retirada do Estado.
É importante recordar que os PCNs surgiram
já no início do 1º mandato de FHC, quando foi
reunido um grupo de intelectuais da Espanha,
Chile, Argentina, Bolívia e outros países que já
tinham realizado suas reformas neoliberais, para
iniciar esse processo no Brasil. A parte considerada
progressista não funciona, já que a proposta não
vem acompanhada de políticas que assegurem
sua efetiva implantação, fi cando na dependência
das instâncias da sociedade civil e dos próprios
professores;
17. Mudança do termo “igualdade social” para
“eqüidade social”, ou seja, não há mais a
preocupação com a igualdade como direito
de todos, mas somente a “amenização” da
desigualdade;
18. Privatização das Universidades;
139
Sociologia da Educação
Unidade 4
Nova LDB (Lei 19. de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional) determinando as competências da
federação, transferindo responsabilidades aos
Estados e Municípios;
20. Parcerias com a sociedade civil (empresas privadas e
organizações sociais).
Diante da análise anterior, a atuação coerente e socialmente
comprometida na educação parece cada vez mais difícil,
tendo em vista que a causa dos problemas está longe e, ao
mesmo tempo, dispersa em ações locais. A tarefa de educar,
em nosso tempo, implica conseguir pensar e agir localmente
e globalmente, o que carece da interação coletiva dos
educadores e, segundo Philippe Perrenoud, da Universidade
de Genebra, “o professor que não se preparar para intervir
na discussão global, não é um ator coletivo”1 [16]. Além
disso, a produção teórica só tem sentido se for feita sobre a
prática, com vistas a transformá-la. Portanto, para que haja
condições efetivas de construir uma escola transformadora,
numa sociedade transformadora, é necessária a
predisposição dos educadores também pela transformação
de sua ação educativa e “a prática refl exiva deve deixar de
ser um mero discurso ou tema de seminário, ela objetiva a
tomada de consciência e organização da prática”.
Fonte: Revista Espaço Acadêmico. Ano II – Nº 13 – Junho de 2002 – Mensal – ISSN 1519.6186
Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/013/13andrioli.htm
Acesso em: 06 de set.2007.
Se você desejar ler o artigo na íntegra, do qual foi apresentado
um fragmento anteriormente, acesse o seguinte endereço:
http://www.espacoacademico.com.br/013/13andrioli.htm
Para saber mais sobre os conteúdos abordados nesta unidade,
sugiro-lhe também consultar os seguintes livros:
NORONHA, Olinda Maria. Políticas neoliberais,
conhecimento e educação. Campinas, SP: Editora Alínea, 2006.
140
Universidade do Sul de Santa Catarina
SILVA, Tomaz Tadeu da.(Org.). Alienígenas na sala de aula:
uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1998.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento
único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.
Para concluir o estudo
Caro(a) aluno(a),
Você encerra aqui os estudos da disciplina Sociologia da
Educação.
Como já havia colocado, em algum momento desta disciplina,
minha intenção não era a de esgotar as discussões sobre os
temas abordados. Em primeiro lugar, porque tais temas são
bastante abrangentes e complexos; e, em segundo lugar,
porque são objeto de constantes estudos e pesquisas de autores
renomados como Pablo Gentili, Moacir Gadotti, Tomaz Tadeu
da Silva, Michael Apple, André Petitat entre tantos outros que
se debruçam sobre os estudos de tais aspectos, fazendo isso com
muita propriedade. Este é um tema que não se esgota.
A minha intenção aqui foi fazer algumas breves discussões
sobre tais temas com o objetivo de mostrar como os mesmos são
importantes na nossa vida profi ssional e cidadã. Acredito terlhe
trazido instrumentos que possam facilitar uma leitura crítica
da realidade e do cotidiano das relações sociais permeadas
de ideologias e poder, muitas vezes quase imperceptíveis, por
não estarmos acostumados a pensar, criticar, ou questionar os
processos e os acontecimentos a nossa volta.
Espero ainda poder ter colaborado para a sua percepção e
entendimento de que a sociedade é composta por diferentes
sujeitos historicamente construídos, muitas vezes excluídos e
marginalizados, e que esta marginalização se dá a partir de
jogos de poder constantemente presentes nas relações sociais.
E que, a partir dessa percepção, você enquanto educador possa
atuar para a transformação da sua realidade mais próxima ao
menos, derrubando preconceitos e atitudes discriminatórias a
partir de suas ações educacionais.
Desejo muita felicidade e identifi cação nesta sua jornada.
Não vou dizer profi ssional, porque acredito que a educação é
muito mais do que isso...
Viviani Poyer
Referências
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Médicas, 1989.
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São Paulo: Moderna, 1996.
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desafi os socioeconômicos, éticos e educativos. 2.ed. Petrópolis:
Vozes, 2000.
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ANDRIOLI, Antonio Inácio. As políticas educacionais no
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II – Nº 13 – Junho de 2002 – Mensal – ISSN 1519.6186
Disponível em:
Acesso em: 06 de set.2007.
Sobre a professora conteudista
Viviani Poyer é graduada em História pela Universidade do
Estado de Santa Catarina – UDESC (1996) e Mestre em
História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina
– UFSC (2000). É co-autora de 8 cadernos pedagógicos
voltados para a educação a distância, publicados pela UDESC,
onde atuou como professora das disciplinas História da
Educação, Conteúdos e Metodologias do Ensino de História
e de Gestão e Organização da Escola Brasileira no curso de
Pedagogia a distância, no período de 2001 a 2006, bem como,
professora do programa de Complementação Pedagógica
oferecido a professores de escolas técnicas do Estado de
Santa Catarina. Ministrou disciplinas presenciais no Curso
de Pedagogia da Univali e no Curso de Especialização
em Didática e Metodologia do Ensino Superior da
Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC. Na
Unisul, atuou como professora tutora das disciplinas de
Sociologia das Organizações, Sociologia do Crime e da
Violência e Antropologia Cultural para cursos de graduação,
na modalidade a distância, e, ainda, da disciplina Ética,
Cidadania e Direitos Humanos no programa de especialização
em Interesses Difusos e Coletivos Afetos à Infância e
Juventude, Idosos e Pessoas com Defi ciência. Atualmente
desempenha a função de design instrucional na UnisulVirtual.
Respostas e comentários das
atividades de auto-avaliação
Unidade 1
1 – Leia a citação a seguir, faça um pequeno comentário sobre a sua
aplicabilidade, ou não, no atual contexto educacional. Posicione-se de
forma crítica e utilize exemplos que justifi quem o seu posicionamento.
“O homem que a educação deve realizar, em cada um de nós,
não é o homem que a natureza fez, mas o homem que a sociedade
quer que ele seja; e ela o quer conforme o reclame a sua economia
interna, o seu equilíbrio”
(Émile Durkheim).
R: Durkheim tinha como objetivo principal descobrir as leis de
funcionamento da sociedade, por esse motivo é considerado um dos
sistematizadores da corrente funcionalista. Para ele, era a partir de uma
educação imposta de acordo com os padrões sociais, que se dava a
possibilidade de criar o ser social, processo no qual os pais e professores
deveriam ser apenas intermediários.
2 – Cite dois aspectos que foram fundamentais para a constituição do
pensamento sociológico no mundo e no Brasil.
R: No mundo: as mudanças sociais, econômicas e políticas a partir da
revolução industrial e das revoluções burguesas ocorridas na Europa.
No Brasil: as mudanças empreendidas na sociedade a partir das grandes
levas de imigrantes europeus que começaram a chegar ao país em fi ns
do século XIX; mudanças na distribuição da população, que começou a
migrar em maior número para as áreas urbanas, no início do século XX;
e a industrialização nascente que ocorreu neste período.
3 – A partir do que você estudou, desenvolva um pequeno texto (no
mínimo 10 linhas), dissertando sobre aspectos importantes da proposta
pedagógica de Paulo Freire. Após, aponte um exemplo de como um
desses aspectos pode ser aplicado na sua prática pedagógica.
R: Na sua resposta, deverão estar presentes aspectos como:
! concepção problematizadora da educação;
! educação voltada ao diálogo entre educador e educando, onde ambos
se educam;
! leitura que ia além da leitura das palavras, possibilitando o aluno a fazer
uma leitura de mundo;
! processo educacional que gerasse conhecimento crítico e refl exivo, afi m
de transformar o mundo.
Unidade 2
1 – Diante do que você estudou sobre produção e reprodução da
sociedade responda:
a) Em seu ponto de vista, o homem produz a sociedade ou a sociedade
produz o homem?
b) Desenvolva um texto dissertativo sobre essa questão fundamentando
a sua resposta a partir das leituras da unidade e posicionando-se de forma
crítica. Se necessário, dê exemplos para ilustrar a sua resposta.
R: Pessoal. Você deverá utilizar aspectos estudados nesta unidade para
embasar a sua resposta.
2 – Você já havia pensado sobre a multiplicidade de signifi cados que
envolvem os conceitos de ideologia? Diante disso, procure dissertar sobre
o seu entendimento acerca dessa palavra. Aponte a importância de se
estudar um conceito como este, em seu ponto de vista de educador ou
futuro educador.
R: Nesta resposta, você deverá desenvolver um conceito de ideologia a
partir do seu entendimento e das discussões da unidade. A segunda parte
da resposta é pessoal.
3 – Você acredita que a escola nos dias atuais possa se tornar um
instrumento ideológico? Por que? Cite um exemplo.
R: Pessoal. Você deverá fundamentar a sua refl exão a partir dos aspectos
abordados na unidade.
153
Unidade 3
1 – Com base no que você estudou nesta unidade refl ita sobre as questões
a seguir e desenvolva um texto dissertativo, colocando-se de forma crítica.
a) Qual o papel que a escola tem desempenhado na formação das crianças
e dos jovens atualmente?
R: Você deve relatar como a escola atuou e continua atuando no processo
de formação das crianças. Qual papel ela tem desempenhado diante das
políticas públicas instituídas.
b) Você considera que o respeito às diferenças está incluído na formação
de um cidadão crítico e participativo? Justifi que.
R: Apesar de a resposta ser de caráter pessoal, você deverá pontuar
aspectos que demonstrem a importância de se efetuarem estudos sobre
as diferenças.
c) Como você pode contribuir enquanto educador(a) e cidadão(ã) no
processo de construção de sujeitos críticos e participativos? Cite um
exemplo de trabalho que pode ser desenvolvido em sala de aula.
R: Essa resposta é pessoal. Deverá se desenvolvida com base nos aspectos
abordados nesta unidade, bem como, a partir de sua experiência
enquanto educador.
Unidade 4
1. Como educador(a) e/ou como cidadão(ã), você consegue perceber
os aspectos norteadores da política neoliberal, seja na escola em que
trabalha, ou na comunidade em que vive, ou mesmo no seu dia-a-dia?
Disserte sobre os mesmos. Considere os conteúdos apontados nesta
unidade.
R: Resposta pessoal.
2. A partir do estudo desta unidade, você pôde observar que a
globalização não tem um conceito único, no entanto é um tema que
está constantemente presente no seu dia-a-dia. Liste nas linhas a seguir
aspectos do seu cotidiano os quais expressem ações que podem ser
consideradas como conseqüência da globalização.
R: Aqui você deverá relacionar aspectos como os referentes às inovações
tecnológicas e dos meios de comunicação, bem como o contato facilitado
entre diferentes culturas, o acesso a bens de consumo antes impossível e
tantas outras ações que são resultado direto ou indireto do fenômeno da
globalização.
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